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ÁFRICA
Para o brasileiro José Henrique Fischel, que trabalha no Chade, perto do Sudão, árabes e não-árabes cometem atrocidades
Violência é generalizada em Darfur, diz ONU
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na fronteira do Chade com o
Sudão, palco de uma crise humanitária decorrente da guerra civil
sudanesa, existem 11 acampamentos da ONU para receber os
refugiados do conflito. Um deles,
no povoado chadiano de Bahai, é
chefiado por um brasileiro -José
Henrique Fischel, 35, professor de
direito internacional da Universidade de Brasília e oficial de carreira do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.
O conflito em Darfur (região
oeste do Sudão) começou em
2003, com o ataque de grupos rebeldes a alvos do governo. Os rebeldes, à época, acusavam o governo de privilegiar os grupos de
origem árabe -que dominam o
norte do país.
Para responder aos ataques, o
governo teria armado um grupo
árabe, chamado Janjaweed, que,
na seqüência, promoveu assassinatos, saques e estupros contra os
negros não-árabes. Ao menos 1
milhão de pessoas deixaram suas
casas. Segundo Fischel, porém, as
atrocidades cometidas pela milícia em Darfur ocorrem da mesma
forma do lado não-árabe.
Na semana passada, Fischel falou à Folha, por telefone, de Genebra, onde passou três dias para
acertar detalhes operacionais
com o comando da ONU. Ele desembarcou no Chade no início de
agosto e deve ficar até novembro.
ACAMPAMENTO
Fischel está no acampamento
Oure Cassoni. Há um grande lago
que abastece os 20 mil refugiados
do acampamento, localizado no
povoado de Bahai -a 5 km, em
linha reta, do Sudão. De carro, a
distância aumenta para 17 km.
"Do lado sudanês da fronteira
estão os deslocados internos. Os
que cruzaram a fronteira é que
são os refugiados. Ambos, porém,
fogem dos milicianos."
Fischel diz que cerca de 190 mil
pessoas ocupam os 11 acampamentos da ONU na região nordeste do Chade. Desde que foi
criado, em julho, o Oure Cassoni
recebe 50 pessoas por dia.
ESTRUTURA
O acampamento, segundo Fischel, é dividido em zonas. "Elas
observam a origem étnica dos refugiados. Todos lá têm a mesma
etnia, zagawa, mas de tribos diferentes. Alguns estão acostumados
a viver em povoados, e outros têm
vida mais nômade."
Em cada zona, há uma mesquita
(são todos muçulmanos sunitas).
Há postos de saúde e de distribuição de água, escolas e tendas usadas como moradias. A água tirada
do lago é tratada e estocada em
grandes "bexigas", com capacidade para 20 mil litros. Há equipamentos especiais para a limpeza
do lixo e das carcaças dos animais.
Sobre o clima desértico, Fischel
diz que o normal é a temperatura
subir a 45C durante o dia e recuar
à casa dos 5C à noite. "Em dezembro e janeiro, chega a ter um
pouco de gelo pela manhã. Mas
há estrutura, temos tapetes e cobertores nas tendas."
Fischel conta que, no início, por
causa dos fogões à lenha instalados no acampamento, criou-se
uma certa tensão entre os refugiados e a população local. "Tivemos
de correr atrás de doadores de fogões a querosene. Os refugiados
estavam usando toda a madeira
disponível na região para abastecer os fogões, o que criou certa
tensão com os moradores, que
usam a madeira para cozinhar e
para se aquecer no inverno."
ÁGUA
A idéia da ONU, segundo Fischel, é expandir o acampamento
deserto adentro, pois o Oure Cassoni já está com sua capacidade
máxima -20 mil pessoas.
O problema, que tende a ser
dramático em breve, é a pouca
quantidade de água. "Não há disponibilidade de água para essas
pessoas. A água vem de um lago
artificial e sazonal. Receamos que,
em dezembro, essa fonte já não
seja suficiente para a quantidade
de pessoas. Uma possibilidade é
reposicionar o acampamento."
SEGURANÇA
Na ONU, há uma regra segundo
a qual os acampamentos de refugiados devem estar instalados, no
mínimo, a 50 km da fronteira. Isso, porém, não ocorre com o Oure
Cassoni. "A proximidade [17 km
por via terrestre] faz com que tenhamos risco de intervenções, incursões. Se os milicianos quiserem atacar os refugiados, isso fica
mais fácil de acontecer."
Fischel relata que os milicianos
não-árabes do lado sudanês da
fronteira acabam protegendo o
acampamento de eventuais ataques árabes. "Hoje, eles acabam
sendo uma espécie de segurança
dos acampamentos." A segurança
direta fica por conta de soldados
chadianos, norte-americanos e
franceses.
VILAS FANTASMAS
O fluxo de refugiados para os
acampamentos da ONU tem diminuído a cada dia. Isso porque,
segundo Fischel, um acordo de
cessar-fogo tem sido "satisfatoriamente observado".
Não há, porém, nenhum tipo de
movimentação de refugiados retornando às suas casas no Sudão.
"As casas foram destruídas e não
há a garantia de segurança." E a
explicação de Fischel sobre segurança é, no mínimo, inusitada:
"Aparentemente, o governo sudanês contratou os próprios milicianos do Janjaweed para providenciar a segurança desses deslocados. Deram uniforme e armas
aos milicianos. Eles [os negros
não-árabes] não se sentem seguros o suficiente para poder retornar aos seus locais de origem".
A cidades sudanesas próximas à
fronteira estão vazias. "São vilas
fantasmas, exatamente."
ATROCIDADES
Na mídia, em geral, o que aparece são as atrocidades cometidas
pelas milícias árabes. Mas Fischel
ressalta um outro lado do confronto: "O que nós estamos naturalmente vendo e o que tem sido
publicado são as ações do Janjaweed. Mas é óbvio que os rebeldes
também violam os direitos humanos. Só que isso não sai publicado.
O interesse agora é o foco no governo sudanês, ou seja, na responsabilidade estatal com a observância das normas".
O acampamento Oure Cassoni,
segundo Fischel, é formado basicamente por crianças e mulheres.
"É um acampamento extremamente tranqüilo, até mesmo porque 93% dele é composto por mulheres e crianças. Os homens ficam tomando conta das vilas. Eles
[os milicianos Janjaweed] não
matam as mulheres, só violam.
Com relação aos homens, a idéia é
realmente matar. Muitas chegam
aos acampamentos vítimas de estupro. E crianças do sexo masculino eles também matam, vendo-as
como um inimigo futuro."
ALIMENTAÇÃO
No cardápio dos refugiados há
açúcar, sal, arroz, óleo e uma mistura de milho, soja e feijão, além
de sorgo (derivado do milho, que,
misturado à água, transforma-se
num pão). "Eles que se viram.
Não comem cavalo, carneiro,
burro. Eles não utilizam nenhuma dessas carnes, apesar de existir em abundância." A única preocupação, em termos de saúde, é
com a malária.
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