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ELEIÇÃO NOS EUA
No início do mandato, o presidente dos EUA era retratado como uma pessoa amigável e inofensiva
Piadas sobre Bush são hoje implacáveis e mais partidárias
JASON ZENGERLE
DO "NEW YORK TIMES"
Em dezembro de 1992, poucas
semanas antes de deixar a Presidência, George Bush (o pai) convidou Dana Carvey à Casa Branca. Carvey passara os quatro anos
anteriores imitando Bush no programa "Saturday Night Live",
mostrando-o como homem aristocrático e medroso.
No entanto, segundo relatos da
imprensa, enquanto Carvey fazia
suas imitações desde atrás de um
pódio no Salão Oriental, o presidente ria e aparentava estar mais
feliz do que estivera havia semanas. Não é difícil entender porque: o humor era leve e apolítico,
zombando um pouco de manias
pessoais menores do presidente.
A relação do segundo presidente Bush com a comédia é totalmente diferente. Brincando com
uma das frases do próprio presidente, poderíamos dizer que o estado das piadas sobre George W.
Bush é partidário e implacável.
Em programas de entrevistas de
fim de noite, publicidade política
e no novo e fértil campo do humor na Internet, as piadas sobre o
presidente Bush atual são muito
mais ásperas do que eram as brincadeiras envolvendo seu pai ou
Bill Clinton -mais ásperas, inclusive, do que as que circulavam
no início de seu mandato.
QI baixo
Naquela época o presidente era
alvo de zombaria por causa de
seus erros de sintaxe e seu Q.I.
baixo. Hoje muitas piadas sobre
Bush retratam o presidente como
figura ameaçadora, irresponsável.
Essa mudança se deve em parte
à guerra e à economia instável. E a
esquerda redescobriu o humor
como ferramenta política.
O melhor indicativo quanto ao
estado do humor relativo a George W. Bush talvez seja Will Ferrell.
Como Dana Carvey, Ferrell tornou-se conhecido fazendo uma
imitação de um presidente Bush
no "Saturday Night Live". Num
primeiro momento, o Bush recriado por Ferrell também era da
variedade mais gentil e leve.
Durante a campanha de 2000 e
os primeiros anos do presidente
no poder, o Bush de Ferrell era
um sujeito amigável e inofensivo.
O Bush de Ferrell era um sujeito
do qual não era difícil se gostar.
Talvez seja por isso que a representação parecia ser tão bem aceita pelo próprio Bush. Pouco antes
da eleição de 2000, Bush apareceu
no "Saturday Night Live" para
zombar de suas próprias gafes.
É pouco provável que alguém
na Casa Branca continue rindo
com Will Ferrell hoje. Embora tenha deixado o "Saturday Night
Live" em 2002, o ator recentemente retomou sua representação de Bush, primeiro num evento de levantamento de fundos para a organização ambientalista
Conselho de Defesa dos Recursos
Naturais, em maio, e depois em
um anúncio do grupo de esquerda America Coming Together.
O George W. Bush representado por Ferrell hoje ainda é um boboca, um sujeito fascinado por
seu Gameboy e que se apavora
com um cavalo pastando perto
dele. Mas tornou-se ideólogo.
No evento de levantamento de
fundos, Bush (na versão encarnada por Ferrell), usando roupa de
astronauta, gabou-se de seu plano
de substituir as sequóias antigas
extraídas por madeireiras por
"árvores" feitas de compensado
pintado de vermelho. Ele disse ao
público presente: "Será que vou
conseguir fazer tudo o que vocês
querem? Não. Falando francamente, muitas espécies ameaçadas serão extintas. Mas isso faz
parte da evolução e da seleção natural. Que, por sinal, são coisas
em que não acredito".
Depois do 11 de setembro de
2001, muitos humoristas declararam moratória do humor em torno do presidente. E, mesmo
quando eles se sentiram dispostos
a pôr fim à moratória, o público,
em muitos casos, não estava.
Em pouco tempo, Jay Leno e
David Letterman voltaram a fazer
suas piadas de costume. No caso
desses dois apresentadores, as
piadas envolvendo Bush continuam a ser inofensivas.
Quando a guerra do Iraque começou, porém, algo incomum
aconteceu em programas como
"Saturday Night Live" e "The
Daily Show": o humor virou sério.
Enquanto esses programas hoje
tratam John Kerry como antes
tratavam Bush, zombando do
candidato democrata por características pessoais inofensivas tais
como seu rosto comprido e sua
voz, as piadas sobre Bush são
abertamente políticas, tecendo
críticas diretas à administração e
suas ações.
Em dezembro passado, no "Saturday Night Live", a apresentadora do "Weekend Update", Tina
Fey, ridicularizou a distribuição
de lucrativos contratos de reconstrução no Iraque feita pelo governo. "Precisamos recompensar os
corajosos empresários americanos que combateram com tanta
bravura para libertar o Iraque do
mal", disse ela. "Não esqueçamos
os bravos executivos da Halliburton que invadiram Bagdá."
Uso político
Enquanto os humoristas profissionais retalham o presidente, os
profissionais da política tentam
usar as piadas sobre Bush em proveito próprio. Nos anos 1960, a esquerda praticamente dominava o
mercado do humor ideológico.
Artistas como Lenny Bruce misturavam política com humor inteligente, fazendo a direita parecer quadrada e destituída de humor. Mas depois que Abbie Hoffman e os "yippies" (membros do
Partido Internacional da Juventude, que fazia oposição à Guerra do
Vietnã) desapareceram de cena,
em meados dos anos 1970, a política de esquerda aderiu ao modelo
sério, sensível e politicamente
correto. O sucesso recente de Stewart e de gente como Michael
Moore e Al Franken, autores de livros que viraram best-sellers, pode ter convencido os estrategistas
democratas do valor do humor.
Piadas sobre Bush também podem acabar tornando confusas algumas questões políticas. Será
que o presidente é apenas um sujeito simplório, mas filho de família privilegiada, que chegou à Casa
Branca com a ajuda da sorte? Se
for, então talvez não deva ser visto
como responsável pelos efeitos de
sua administração.
Nesse caso, com certeza ele não
pode ser a inteligência sinistra
responsável pela busca de domínio sobre o planeta. Para alguns
espectadores, foi esse o problema
do filme "Fahrenheit 11 de Setembro": se Bush é tão burro quanto o
filme o retrata, como ele poderia
ser responsável pela conspiração
intrincada que o próprio filme
atribui a ele?
"Acho que o retrato caricato de
Bush como sujeito estabanado e
pouco inteligente ajuda a ele mais
do que a nós", diz Mike Feldman,
estrategista democrata que, na
condição de assessor de Al Gore
em 2000, pôde testemunhar esse
fenômeno em primeira mão.
"Na minha opinião, deveríamos
estar falando de Bush de outra
maneira, e essa visão está começando a encontrar adeptos: é a
idéia de que Bush sabe exatamente o que está fazendo, age de maneira extremamente calculada e
não está pensando em nosso
bem-estar".
Mas talvez a maior limitação do
humor sobre Bush enquanto instrumento político é o fato de seu
público ser formado por pessoas
já convertidas.
O humorista David Cross, que
se apresentou em nome de vários
grupos anti-Bush neste ano, admite: "Não tenho nenhuma ilusão
de que eu vá fazer alguém mudar
de idéia -a não ser que esse alguém tenha acabado de sair de
um coma. Nos últimos dois anos
o que eu tenho feito principalmente é pregar aos já convertidos". Mas pelo menos o coro dos
já convertidos está se divertindo.
Tradução de Clara Allain
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