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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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GUERRA SEM LIMITES

Ao atacar muçulmanos ligados a "infiéis", rede terrorista adota estratégia que fracassou no Egito nos anos 90

Al Qaeda pode ter cometido erro em Riad

ADEL DARWISH
DO "INDEPENDENT"

Comentando o ataque terrorista que matou muitos muçulmanos há uma semana em Riad, Sherard Cowper-Coles, o embaixador britânico na Arábia Saudita, descreveu as atrocidades terroristas como ""sem sentido". Para aqueles que as cometem, porém, elas fazem muito sentido, sim.
Ciente do âmbito da ameaça com a qual seu país se confronta, o embaixador saudita em Londres, príncipe Turki al Faisal, disse que a Al Qaeda é "uma seita maligna", cujos membros obedecem cegamente às fatwas (decretos religiosos) emanadas de seus líderes, contrariando as normas islâmicas que proíbem o suicídio e a matança de civis inocentes.
O objetivo de longo prazo da Al Qaeda, que divide o mundo em crentes e infiéis, é controlar os muçulmanos em todo o mundo, reintroduzindo o conceito do "umma" islâmico, ou bloco unido de centenas de milhões de muçulmanos, surgido no século 7º.
O controle sobre os santuários mais sagrados do islã, Meca e Medina, é essencial para legitimar seu chamado, e as imensas reservas petrolíferas da Arábia Saudita lhe proporcionariam os meios econômicos para alcançar sua meta.
Alvejar muçulmanos no Iraque, também dono de reservas petrolíferas imensas, se encaixa igualmente nessa estratégia: a anarquia nesse país, raciocina a Al Qaeda, obrigará a coalizão a desistir de seu intento, deixando o país nas mãos de extremistas islâmicos.

Ação contra o governo
Criar uma confusão semelhante na Arábia faz parte da tática da Al Qaeda para derrubar o governo saudita, que acaba de dar início a um longamente aguardado programa de reformas -parcas pelos padrões ocidentais, mas significativas numa cultura tribal conservadora na qual qualquer mudança democrática encontra resistência por parte de um establishment religioso poderoso que resiste às tentativas de substituir as leis dadas por Deus por aquelas criadas pelo homem.
O presidente Bush, que lançou um chamado por democracia e reforma na região, se apressou a nos recordar a necessidade de travar essa batalha contra o terrorismo desde a mesma trincheira que a família real saudita.
A tática da Al Qaeda consiste em espalhar o terror entre os muçulmanos, até obrigá-los à submissão. Assim, alvejar muçulmanos em Riad não foi um ato "sem sentido", mas um elo numa longa cadeia.
Os moradores do complexo Muhaya, que foi atacado com bombas, têm um estilo de vida internacional que é totalmente rejeitado pelos extremistas. Do lado de dentro dos muros do complexo, as mulheres dirigem carros, e amizades entre pessoas de religiões diferentes são formadas durante piqueniques em volta de piscinas, ocasiões nas quais muçulmanos dividem alimentos com "infiéis" ocidentais.
O ataque da Al Qaeda envia uma mensagem complexa: os muçulmanos de "pouca fé" serão castigados, e trabalhadores estrangeiros vindos de outros países muçulmanos farão bem em evitar a Arábia Saudita, cuja economia depende em grande medida deles.
Além disso, a Al Qaeda quer fazer com que o governo saudita seja visto como sendo incapaz de proteger os muçulmanos durante o Ramadã, quando dezenas de milhares de fiéis se reúnem em Meca para visitar seus locais sagrados.

Tática fracassada
O ataque foi uma continuação da tática fracassada adotada pela primeira vez no Egito, há mais de uma década, por terroristas como Ayman al Zawahiri, o principal colaborador de Osama bin Laden. O ataque ao complexo em Riad lembra o assassinato de qualquer pessoa que tivesse ligação com turistas no Egito, nos anos 90.
É mais provável, porém, que a Al Qaeda fracasse em sua tentativa de derrubar o governo saudita. Depois da morte de mais de 900 pessoas numa onda de terrorismo que durou cerca de seis anos e culminou com o massacre de Luxor, em 1997, quando foram mortas mais de 60 pessoas -em sua maioria turistas inocentes-, as forças de segurança egípcias conseguiram virar a mesa contra os terroristas.
Aproveitando a aversão pública suscitada pelas atrocidades, a polícia pôde ignorar os direitos civis na caçada implacável que moveu contra os extremistas.
Até agora, os esforços feitos pelos serviços de inteligência sauditas para identificar as "células terroristas adormecidas" se chocavam com tabus tribais que proíbem que se delatem pessoas do mesmo clã.
Entretanto, ao matar mulheres e crianças -enquanto os homens de suas famílias estavam rezando na mesquita -, os terroristas romperam o código de conduta que une os muçulmanos tribais.
O ataque anula o estigma ligado à delação de vizinhos e de pessoas do mesmo clã que sejam suspeitos de dar apoio a terroristas.
Após os ataques terroristas contra três outros complexos em maio, a polícia recebeu uma enxurrada de informações fornecidas pelo público (incluindo líderes tribais e religiosos) que a ajudaram a desbaratar grande número de células e deter mais de 600 suspeitos.
Ironicamente, esse êxito provocou pânico entre os terroristas. Eles vêm transferindo suas células e seus arsenais de lugar, antes que os percam. Incapazes, porém, de atingir alvos bem vigiados, escolheram um alvo fácil de ser atingido, e é justamente esse alvo que trará resultados opostos aos que esperam e acabará por ajudar os EUA na guerra contra o terror.
Com apoio nacional e internacional, a expectativa é que as autoridades sauditas ajam com dureza para eliminar células "adormecidas" e cortar suas linhas ainda remanescentes de apoio financeiro. E a continuação de seu programa de reformas será essencial para derrotar a estratégia da Al Qaeda, que visa frear a modernização.


Tradução de Clara Allain


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