São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

O profeta nuclear

RAYMOND WHITAKER
DO "INDEPENDENT"

Se alguém encarna a razão pela qual a crise nuclear com o Irã dá arrepios em líderes ocidentais, essa pessoa é o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, 49.
Sua eleição no ano passado surpreendeu milhões de iranianos, além do restante do planeta. Desde então, ele atraiu duras críticas por afirmar que Israel deveria ser "apagado do mapa" e questionar a existência do Holocausto.
Palavras estarrecedoras de um líder cujo país parece estar disposto a um confronto com a comunidade internacional por conta de seu programa nuclear. Ele adota a linha oficial ao afirmar que seu programa tem fins pacíficos (embora o Irã, grande produtor de petróleo e detentor da segunda maior reserva de gás natural do planeta, nunca tenha explicado por que precisa de energia nuclear) e classifica as críticas internacionais de "ruído". As potências ocidentais, segundo disse Ahmadinejad na semana passada, são um "grupo de déspotas".
A preocupação causada por sua retórica é ainda maior porque pouco se sabe sobre Ahmadinejad. Alguns reféns americanos que ficaram 444 dias, entre 79 e 81, na Embaixada dos EUA em Teerã dizem que ele estava entre os seqüestradores. E ele foi acusado de elo com o assassinato de políticos curdos exilados na Áustria.
George W. Bush ordenou investigação sobre a tomada de reféns na embaixada, mas alguns líderes da ação já disseram que Ahmadinejad não teve nada a ver com ela. Para Teerã, trata-se de uma campanha dos EUA e da "mídia sionista" para desacreditá-lo.
Mais preocupante é sua identificação com o culto do "imã escondido", o 12º e último dos imãs reverenciados pelos xiitas. Estes crêem que o imã voltará num momento de grande agitação para derrotar as forças do mal.
Seria possível dizer que se trata de uma teoria da conspiração. Mas um DVD que circula no Irã o mostra numa conversa reveladora com um aiatolá conservador, no qual ele fala de seu discurso desafiador na ONU no ano passado.
"Alguém de nosso grupo me disse ter visto, quando saudei o profeta Muhammad, uma luz verde à minha volta, fiquei num tipo de aura. Eu cheguei a senti-la, a atmosfera mudou, e, naqueles 27 ou 28 minutos, todos os líderes do mundo deixaram de piscar. Quando digo que eles não mexeram uma pálpebra, não exagero. Eles ficaram de um modo que parecia que uma mão os segurava."
Ahmadinejad era desconhecido quando foi eleito prefeito de Teerã em 2003 -só 12% dos eleitores votaram. Embora tenha doutorado em engenharia, sua aparência é a de um trabalhador. Sua posses se resumem a um carro de 30 anos e a uma pequena casa.
Mas as realidades do poder são outra história. Ele tem de lidar com clérigos poderosos no trato de temas como o desenvolvimento nuclear. Além disso, seu plano de dar aos pobres parte da renda do petróleo desagrada à elite econômica, que teme a inflação.
"Ahmadinejad prometeu muito, mas não conseguirá cumprir. Muitos pensam que seus atos sobre o Holocausto e a questão nuclear se devem ao fato de ele ter pouco controle sobre políticas domésticas", disse Ali Granmayeh, ex-diplomata iraniano -hoje baseado em Londres.
Há quem diga que o Parlamento poderá usar seus poderes constitucionais para tirá-lo do poder antes do primeiro aniversário de seu mandato. Mas isso será difícil, pois o presidente tem um mandato popular forte. Embora boa parte do mundo queira que os iranianos se livrem de seu turbulento líder, talvez tenhamos de agüentar seus factóides por algum tempo.


Texto Anterior: UE e EUA exigem fim do programa iraniano
Próximo Texto: Oriente Médio: Sharon ouve voz do neto e abre os olhos, diz assessor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.