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Presidente é uma Evita sem o populismo, afirma analista
DA ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO
Dado seu potencial de produzir
mudanças culturais, o fenômeno
Michelle Bachelet no Chile pode
ser comparado, no limite, ao vivido na Argentina com Evita Perón
(1919-52), a mitológica mulher do
presidente Juan Domingo Perón
(1895-1974). As duas figuras, porém, mantêm uma diferença importante: Bachelet é a "antítese do
populismo". A avaliação é da economista chilena Marta Lagos, co-fundadora e diretora-executiva
da Latinobarómetro, ONG que
desde 1996 pesquisa a aceitação
da democracia no continente.
Leia a seguir, trechos de sua entrevista à Folha, em Santiago.
(CVN)
Folha - Em artigo, a sra. comparou o fenômeno Bachelet ao fenômeno Evita. O que há de comum entre as duas?
Marta Lagos - Em geral, as mulheres que assumiram o poder na
América Latina não conseguiram
grandes transformações culturais, exceto Evita. Essas mudanças
não são uma conseqüência direta
da Presidência de uma mulher.
Por exemplo, a Presidência de
[Violeta] Chamorro na Nicarágua
não teve conseqüências maiores,
nem a da panamenha [Mireya
Moscoso, em 1999].
Nenhuma produziu mudanças;
a única que teve um simbolismo
cultural foi Evita. Você pode ver
isso com mulheres ao redor do
mundo: Indira Gandhi [duas vezes premiê indiana] marcou uma
diferença, mas [a atual premiê
alemã] Angela Merkel está jogando um papel muito tradicional.
A diferença no caso chileno é
que Michelle Bachelet foi eleita
para produzir uma mudança cultural. Ela ganhou a eleição com
esse mandato. Posto de outra maneira, ela não teria ganho a eleição
se não tivesse simbolizado essa
mudança cultural.
Agora, não se pode compará-la
com Evita porque Evita era um fenômeno populista, e Bachelet está
no extremo do populismo, é a antítese do populismo. Evita tampouco foi eleita pelo voto popular.
Mas pode-se dizer que Bachelet
tenta produzir uma mudança cultural com uma marca que poderia
historicamente simbolizar uma liderança feminina distinta que fique registrada, como ficou Evita.
Folha - A vitória de Bachelet indica que sopram novos ventos na
América do Sul?
Lagos - Diria que não, francamente. Ajuda em que as mulheres
se legitimem porque produz um
efeito de exemplo. Mas creio que
o problemas das elites latino-americanas seja muito profundo,
de representação, que aponta à
renovação da classe política depois de largos períodos autoritários que não se produziram na
maior parte dos países. Essa renovação está acontecendo muito aos
solavancos, ou seja, com pouca
continuidade e legitimidade.
A América Latina tem uma urgente necessidade de bons políticos, entre os quais, sem dúvida,
pode haver mulheres, mas não
me parece que seja o início de
uma nova onda. É mais uma exceção do que uma regra.
Folha - Como a sra. entende essa
vitória no contexto regional de
avanço de governos de esquerda e
centro-esquerda?
Lagos - Há um mau entendimento sobre o que significa hoje
em dia a esquerda. As demandas e
as ofertas de Sebastián Piñera [adversário de Bachelet na eleição, de
centro-direita] eram muito parecidas às de Bachelet e não se pode
dizer que eram mais de esquerda
ou menos de esquerda. Existe um
"mainstream" de ofertas que se
referem a políticas públicas e ao
desmantelamento da pobreza e
da desigualdade que é a única
agenda que pode ter hoje um político na América Latina.
Se você qualifica essa agenda
como de esquerda, de fato está dizendo que todos os governos latino-americanos são de esquerda.
Mas você não pode comparar [o
presidente eleito da Bolívia] Evo
Morales com Bachelet, não pode
dizer que os dois são igualmente
de esquerda, é preciso fazer uma
diferenciação. Tampouco pode
comparar [o presidente da Venezuela, Hugo] Chávez com Lula e
Bachelet, são três expressões de
realidades nacionais muito complexas e muito distintas.
Portanto, a etiqueta "esquerda"
não é adequada para todas essas
pessoas. Parece-me um pouco
aventureiro tentar reduzir e simplificar isso com o objetivo de fazer uma história mais bonita.
Folha - O Chile terá uma mulher
presidente, mas como é a participação feminina em outros setores?
Lagos - Não é muito diferente do
que era na primeira República,
antes do governo [de Augusto]
Pinochet [1973-90]. O número de
mulheres que estão no Parlamento ou em cargos diretivos em empresas continua sendo muito baixo. Portanto, Bachelet é uma exceção. Isso não significa que a sociedade chilena tenha reconhecido de maneira extraordinária o
valor da mulher. É uma exceção
que marca uma tendência que poderia ocorrer no futuro, mas não
representa uma tendência que
ocorreu no passado.
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