São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2000


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RELIGIÃO
Usando dinheiro do dízimo, religioso norte-americano compra "tempo" de mulheres para lhes dar conselhos
Padre paga para "salvar" prostitutas

DIRK JOHNSON
do "The New York Times", em Chicago

Protegido pela escuridão da noite nas ruas perigosas do bairro de South Side, o padre católico Michael Pfleger, 50, está à procura de prostitutas.
Vigário da igreja de Santa Sabina, Pfleger paga às mulheres em dinheiro -a maioria cobra US$ 50 por meia hora- e usa o tempo comprado para conversar com elas sobre maneiras de escapar da "indignidade" e dos perigos inerentes ao sexo pago.
Equipes com três fiéis da paróquia de Santa Sabina, às vezes sem Pfleger, fazem as rondas do bairro para resgatar prostitutas. Uma das que encontraram foi Kathy Ellis, 40, viciada em drogas. "Tenho vergonha da vida que levo", disse Ellis ao padre, "mas tenho seis filhos para criar e um mundo de problemas. Não sei o que mais fazer".
Pfleger disse a Ellis que a igreja a ajudaria a conseguir aconselhamento psicológico para se afastar das drogas e treinamento profissional. Lavaria suas roupas e até lhe pagaria um corte de cabelo num salão de beleza.
"Alguém se preocupa comigo", disse Ellis, que hoje participa de reuniões dos Narcóticos Anônimos. "É um sentimento que nunca antes tive. Quando você está lá fora, nas ruas, se prostituindo, não imagina que alguém possa importar-se com você."
Usando dinheiro do dízimo para comprar tempo de prostitutas e traficantes para lhes dar aconselhamento e apoio, Pfleger está mais uma vez suscitando olhares de reprovação dos líderes da arquidiocese de Chicago.
Ativista social ao estilo dos anos 60 e há muito crítico da hierarquia eclesiástica, Pfleger já organizou protestos em "sex shops" e passou mãos de tinta branca sobre placas de propaganda de bebidas em bairros pobres.
Desde que a notícia da campanha se espalhou, pessoas que não pertencem à igreja já enviaram outros US$ 4.000.
Desde que o padre começou seu trabalho na igreja de Santa Sabina, há 25 anos, transformando uma paróquia católica irlandesa moribunda numa dinâmica congregação negra, alguns dos líderes mais conservadores da arquidiocese o enxergam como criador de problemas.
O cardeal Francis George, líder conservador da arquidiocese de Chicago -a maior do país- nunca fez nenhum comentário público acerca do trabalho de Pfleger. O padre conta que cruzou com o cardeal recentemente e que este "fez um comentário que soou sarcástico".
A arquidiocese adotou como norma repassar pedidos de informação sobre Pfleger ao bispo Joseph Perry, que qualifica a idéia de um padre pagar prostitutas como "um tanto quanto incomum". Mas o bispo disse que os líderes da igreja, incluindo o cardeal George, não têm atitude hostil em relação a Pfleger e não duvidam de sua sinceridade.
Mas Pfleger se diz frustrado com os líderes da igreja: "Recebo telefonemas e ofertas de ajuda de toda parte, menos de minha arquidiocese. O que estou fazendo não é o que o Evangelho recomenda? Os líderes da Igreja falam em evangelização. Bem, se isso não é evangelização, então não sei o que é".
No trabalho de rua que faz com prostitutas e traficantes, Pfleger organiza equipes de três pessoas para vasculhar as ruas. Um dos homens fica sentado num carro equipado com rádio transmissor e receptor, de prontidão no caso de haver algum problema.

Elogios da polícia

A polícia de Chicago, que elogia o trabalho do padre, também acompanha sua missão nas ruas.
"O padre Pfleger trabalha em cooperação com a polícia", disse Dexter Yarbrough, agente da polícia comunitária de Chicago. Yarbrough disse que já observou Pfleger bater nas portas e avisar: "O que vocês estão fazendo é errado. Vou usar o poder da oração -e também do Departamento de Polícia de Chicago, se for preciso- para acabar com isso".
Nos encontros que teve em 99 com líderes de gangues, Pfleger conseguiu deles a promessa de que os que quiserem abandonar uma gangue poderão fazê-lo sem sofrer represálias, desde que não entrem numa gangue rival.
As prostitutas encontradas por Pfleger são de todas as idades, desde meninas de 13 anos até mulheres na casa dos 60. Em alguns casos, contou ele, as mulheres vivem com medo dos cafetões que as controlam. A igreja já ajudou pelo menos duas dessas mulheres a se mudar para outros bairros.
"Uma delas levantou a blusa para me mostrar como seu cafetão havia queimado os bicos de seus seios", contou Pfleger. "Parece que certa noite ela voltou sem levar dinheiro suficiente."
Triste e irado, o padre abanou a cabeça e soltou uma imprecação.


Tradução de Clara Allain

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