São Paulo, sábado, 17 de maio de 1997.



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Maior hospital do país teme tropas rebeldes

do enviado especial

O principal hospital do Zaire -e de toda a África Central- pode ser palco de um banho de sangue quando os rebeldes chegarem, pois um de seus pavilhões foi emprestado ao Exército do Zaire para abrigar feridos de guerra.
O Hospital Mama Yemo é o principal centro de atendimento da população de Kinshasa e mesmo do Zaire, pois tem o maior número de especialistas médicos do país.
O diretor do hospital, Roger Manono Katoto, teme o que possa acontecer quando os rebeldes chegarem. Ele não pôde levar a reportagem da Folha ao pavilhão usado pelos militares, que está fora de seu controle. Mas foi possível apurar que entre os feridos há muitos soldados ruandeses da etnia hutu -certamente vítimas potenciais dos tutsis aliados de Kabila.
Mesmo sem essa preocupação adicional, Manono Katoto tem um excesso de problemas nas mãos. A crise zairense causou falta de medicamentos, os médicos não têm recebido seus salários, e o número de refugiados e indigentes na cidade tem aumentado, sobrecarregando o hospital.
Um bom indicador é o número de mortos se acumulando no setor de velórios do hospital. Normalmente com capacidade para 40 cadáveres, hoje são 200. E uma dezena de pacientes morre a cada dia nesse hospital projetado para 2.000 leitos, mas que hoje tem apenas 1.200 ativos. Falta verba para enterrar esse excesso de cadáveres.
Para fazer frente à crise atual, o médico zairense concluiu um "plano-catástrofe" com outros hospitais da cidade, com a Cruz Vermelha e com os voluntários da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras. As salas de cirurgia do Mama Yemo são as melhore do país depois de reformas recentes.
"Se nós tivéssemos apenas US$ 1 milhão, esse hospital estaria bem melhor", diz o diretor. O momento político impede soluções rápidas. O próprio nome do hospital é uma lembrança da era Mobutu. "Mama Yemo" é a mãe do ditador. Antes, o hospital fundado pelos colonizadores belgas em 1912 era o Hospital Geral; tornou-se Mama Yemo em 1970.
"Estamos tentando despolitizar o hospital", diz Katoto, que está há apenas três meses no cargo. Ele não foi nomeado pelo governo, mas sim eleito pelos 156 médicos do hospital. Isso deu a ele a credibilidade para poder negociar com o Banco Mundial verbas para recuperar o Mama Yemo.
O primeiro passo é acertar uma administração racional, e não corrupta, para o hospital, como quer o Banco Mundial. Antes, os administradores eram políticos mobutistas engravatados.
O próprio Katoto é o sinal de que pode haver uma renovação. Trata-se de um médico especializado em radiologia na Bélgica.
Ele não recebeu a reportagem da Folha de terno e gravata, mas sim com seu uniforme de trabalho.
No seu escritório, havia uma maquete de um navio-hospital fluvial, de um modelo parecido com aqueles que a Marinha do Brasil utiliza para assistência médica às populações ribeirinhas na Amazônia (cujo clima é idêntico ao do Zaire).
O navio era usado pelo hospital para prestar assistência pelos rios zairenses, até mesmo à distante cidade de Kisangani.
Hoje, enferruja no porto, na prática impossível de recuperar.
(RICARDO BONALUME NETO)



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