São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

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Guerrilha nega que faça recrutamento forçado

DA REDAÇÃO

Quando João França Pinheiro foi preso, junto com um venezuelano, a imprensa colombiana e as agências internacionais deram com destaque. "Farc recrutam guerrilheiros venezuelanos e brasileiros", dizia o diário "El Espectador", com texto da "Associated Press". A agência "France Presse" tinha o mesmo tom: "A guerrilha Farc está recrutando brasileiros e venezuelanos".
A "France Presse" citava o comandante da 4ª Divisão do Exército colombiano, general Arcesio Barrero. Segundo o militar, Pinheiro teria dito que as Farc haviam recrutado vários brasileiros e venezuelanos. A "Associated Press" trazia declarações do comandante do Exército da Colômbia, general Jorge Enrique Mora: "São pessoas recrutadas na fronteira e que terminam fazendo parte dessas organizações".
A notícia decerto agradou a uma parte do Exército colombiano, ansiosa por envolvimento dos vizinhos num conflito no qual militares, paramilitares e guerrilheiros já mataram mais de 35 mil pessoas só nos últimos dez anos.
De acordo com o promotor do caso de Pinheiro, porém, o rapaz nada disse sobre recrutamento de outros brasileiros e não há casos semelhantes. A assessoria de imprensa do Exército colombiano informou, por sua vez, que "não há registros de uma atividade de recrutamento de brasileiros por parte das Farc". "Foi o único pronunciamento que [o comandante Mora" fez sobre esse assunto, na ocasião da captura dessa pessoa. Não há mais dados sobre isso", disse à Folha Enrique Hernández, porta-voz do Exército.
A guerrilha afirma que histórias como a de Pinheiro fazem parte de uma campanha internacional para acelerar o Plano Colômbia e dar ensejo a uma intervenção militar no país. "Não há uma política para recrutamento de estrangeiros", afirmou à Folha Mauricio Valverde, integrante da comissão internacional das Farc.
Valverde explica que as diretrizes da guerrilha são determinadas em conferências periódicas. Foi assim que se definiram as chamadas "normas de ingresso".
Em tese, para entrar nas Farc é preciso que o candidato (homem ou mulher maior de 15 anos) o faça voluntariamente, sem imposição de condições e com aceitação de todas as regras ideológicas e disciplinares da organização -segundo as Farc, não há, por exemplo, o compromisso de um salário, pois os fundos obtidos são divididos entre todos. "Não saímos por aí capturando pessoas. Respeitamos as fronteiras, inclusive para que os países vizinhos não intervenham na Colômbia", disse Valverde.
A Polícia Federal afirma ter apurado, junto a ex-colegas de Pinheiro no garimpo, que o rapaz entrou na guerrilha porque quis. O delegado Mauro Spósito, que coordena operações da PF na fronteira, nunca tinha ouvido falar de recrutamento forçado de brasileiros pelas Farc. Para ele, a guerrilha tem respeitado o território e os brasileiros.
Pinheiro teria aderido à guerrilha após uma briga com o dono da balsa de garimpo de ouro por causa de falta de pagamento. "Foi seduzido. Estava bravo com o patrão e decidiu entrar para as Farc", disse Spósito. "Prometem mundos e fundos. Salários de US$ 200 a US$ 250, assistência médica. Se dão, não sei dizer."
A Anistia Internacional não conhece casos como o de Pinheiro, mas em seu último relatório anual diz que garotos de 13 anos continuam a ser recrutadas pelas Farc.
Para Edgar Téllez, chefe de redação da revista "Cambio", dirigida pelo escritor Gabriel García Márquez, há denúncias de que os guerrilheiros obrigam pessoas a segui-los, e a versão de Pinheiro pode ser verdadeira. "O recrutamento forçado não é uma fantasia", disse Téllez à Folha. (RPM)


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