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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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Demografia explica revolta contra clérigos

NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ

A Associação Islâmica, a organização estudantil nacional iraniana, não é exatamente o que o seu nome sugere. "Organização nenhuma pode operar se não incluir a palavra "islâmica" no nome", explicou o líder eleito de um grupo da associação, antes do início de uma discussão sobre como desmontar a teocracia implantada com a Revolução Islâmica (1979).
A tensão que opõe o Irã oficial ao tipo de sociedade em que a maioria da população gostaria de viver é visível em todos os aspectos da vida no país e regularmente explode em violência.
O exemplo mais recente vem ocorrendo no centro de Teerã, com violentos choques todas as noites entre manifestantes que buscam liberdade maior e simpatizantes do regime islâmico.
No sábado, o regime declarou que os culpados de fomentar a violência são "vândalos e desordeiros" e começou a prender estudantes e seus defensores.
Os protestos que vêm acontecendo há quase uma semana na capital suscitam a questão de por quanto tempo um grupo de clérigos envelhecidos vai continuar a impor sua visão de um Estado islâmico a um país onde 70% da população tem menos de 30 anos.
Embora alguns iranianos ainda acreditem na teocracia, a maioria deseja uma transformação abrangente. As pessoas não querem que lhes digam o que pensar, vestir, ler e assistir. Nem como se comportar. E estão frustradas com a lentidão das mudanças.
Apesar disso, os manifestantes não chegam a representar uma ameaça real -isso porque os adversários do sistema carecem de uma organização ou figura unificadora capaz de traduzir suas reivindicações em pressão pública.
Eles achavam que haviam encontrado essa figura no presidente Mohammed Khatami, mas os chamados por sua demissão ouvidos durante os protestos -ao lado de gritos de "Matem todos os mulás!"- deixaram claro que seus antigos partidários estão profundamente desiludidos, revoltados pelo fato de seus votos terem feito tão pouca diferença.
"Seis anos atrás, todos acreditavam que a República islâmica podia continuar, que Khatami, como clérigo, poderia ser presidente e que precisávamos de algumas mudanças como liberdade de expressão", disse o jornalista reformista Mohsen Sazegara, antigo assessor do aiatolá Khomeini, falando antes de ser preso, no fim de semana, com seu filho, acusado de incitamento. "Hoje as pessoas estão ficando mais radicais em suas reivindicações. Dizem que é preciso mudar tudo."
Mas não existe visão coletiva de uma alternativa viável. "O problema das reformas é que os iranianos sabem o que não querem, mas não sabem o que querem", disse o estudante Muhammad, 24. Muitos estudantes não quiseram divulgar seus nomes completos nem o nome de suas faculdades, temendo represálias.
O que a maioria dos jovens quer é que o governo pare de interferir em suas vidas cotidianas.
Faruda, 20, estudante de matemática em Isfahan (centro), recebeu ordem de se apresentar ao comitê de moralidade do campus no mês passado. "Disseram que eu andava conversando demais com homens e que minhas roupas não eram modestas." Faruda disse que foi obrigada a ouvir um "sermão" de três horas e recebeu uma lista de 13 versos do Alcorão para ler, referentes à maneira apropriada de uma mulher se vestir. "Fiquei só ouvindo, não disse nada. Não se pode responder quando é contra o Alcorão."
Os homens podem ter problemas semelhantes. Estudantes da mesma universidade contaram que um colega foi amaldiçoado como infiel e espancado por membros da organização paramilitar governamental Baseej, cujos integrantes mais velhos formam as tropas de choque usadas para reprimir as manifestações. Sua infração? Andar de cuecas pelo corredor de seu alojamento.
Os reformistas observam que, hoje, estudantes em Teerã já podem se dar as mãos em público. Mas no interior do país até mesmo essa liberdade é negada.
Os estudantes ativistas dizem que a revolução coloca grande ênfase no ensino, mas tenta lançar um véu sobre suas mentes. Eles admitem que têm muito mais liberdade do que a população como um todo. Mas é a ausência de mudanças abrangentes que provoca revolta em muitos.
Os reformistas dizem que, com 48 milhões de iranianos tendo menos de 30 anos, o tempo é seu aliado. Cedo ou tarde, as transformações terão que acontecer.


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