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Demografia explica revolta contra clérigos
NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ
A Associação Islâmica, a organização estudantil nacional iraniana, não é exatamente o que o seu
nome sugere. "Organização nenhuma pode operar se não incluir
a palavra "islâmica" no nome", explicou o líder eleito de um grupo
da associação, antes do início de
uma discussão sobre como desmontar a teocracia implantada
com a Revolução Islâmica (1979).
A tensão que opõe o Irã oficial
ao tipo de sociedade em que a
maioria da população gostaria de
viver é visível em todos os aspectos da vida no país e regularmente
explode em violência.
O exemplo mais recente vem
ocorrendo no centro de Teerã,
com violentos choques todas as
noites entre manifestantes que
buscam liberdade maior e simpatizantes do regime islâmico.
No sábado, o regime declarou
que os culpados de fomentar a
violência são "vândalos e desordeiros" e começou a prender estudantes e seus defensores.
Os protestos que vêm acontecendo há quase uma semana na
capital suscitam a questão de por
quanto tempo um grupo de clérigos envelhecidos vai continuar a
impor sua visão de um Estado islâmico a um país onde 70% da população tem menos de 30 anos.
Embora alguns iranianos ainda
acreditem na teocracia, a maioria
deseja uma transformação abrangente. As pessoas não querem que
lhes digam o que pensar, vestir,
ler e assistir. Nem como se comportar. E estão frustradas com a
lentidão das mudanças.
Apesar disso, os manifestantes
não chegam a representar uma
ameaça real -isso porque os adversários do sistema carecem de
uma organização ou figura unificadora capaz de traduzir suas reivindicações em pressão pública.
Eles achavam que haviam encontrado essa figura no presidente Mohammed Khatami, mas os
chamados por sua demissão ouvidos durante os protestos -ao lado de gritos de "Matem todos os
mulás!"- deixaram claro que
seus antigos partidários estão
profundamente desiludidos, revoltados pelo fato de seus votos
terem feito tão pouca diferença.
"Seis anos atrás, todos acreditavam que a República islâmica podia continuar, que Khatami, como clérigo, poderia ser presidente
e que precisávamos de algumas
mudanças como liberdade de expressão", disse o jornalista reformista Mohsen Sazegara, antigo
assessor do aiatolá Khomeini, falando antes de ser preso, no fim
de semana, com seu filho, acusado de incitamento. "Hoje as pessoas estão ficando mais radicais
em suas reivindicações. Dizem
que é preciso mudar tudo."
Mas não existe visão coletiva de
uma alternativa viável. "O problema das reformas é que os iranianos sabem o que não querem,
mas não sabem o que querem",
disse o estudante Muhammad,
24. Muitos estudantes não quiseram divulgar seus nomes completos nem o nome de suas faculdades, temendo represálias.
O que a maioria dos jovens quer
é que o governo pare de interferir
em suas vidas cotidianas.
Faruda, 20, estudante de matemática em Isfahan (centro), recebeu ordem de se apresentar ao comitê de moralidade do campus
no mês passado. "Disseram que
eu andava conversando demais
com homens e que minhas roupas não eram modestas." Faruda
disse que foi obrigada a ouvir um
"sermão" de três horas e recebeu
uma lista de 13 versos do Alcorão
para ler, referentes à maneira
apropriada de uma mulher se vestir. "Fiquei só ouvindo, não disse
nada. Não se pode responder
quando é contra o Alcorão."
Os homens podem ter problemas semelhantes. Estudantes da
mesma universidade contaram
que um colega foi amaldiçoado
como infiel e espancado por
membros da organização paramilitar governamental Baseej, cujos integrantes mais velhos formam as tropas de choque usadas
para reprimir as manifestações.
Sua infração? Andar de cuecas pelo corredor de seu alojamento.
Os reformistas observam que,
hoje, estudantes em Teerã já podem se dar as mãos em público.
Mas no interior do país até mesmo essa liberdade é negada.
Os estudantes ativistas dizem
que a revolução coloca grande ênfase no ensino, mas tenta lançar
um véu sobre suas mentes. Eles
admitem que têm muito mais liberdade do que a população como um todo. Mas é a ausência de
mudanças abrangentes que provoca revolta em muitos.
Os reformistas dizem que, com
48 milhões de iranianos tendo
menos de 30 anos, o tempo é seu
aliado. Cedo ou tarde, as transformações terão que acontecer.
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