HUMBERTO SACCOMANDI
Editor-adjunto de Mundo

Pelo menos quatro conflitos no mundo mataram mais pessoas em 1998 do que a repressão sérvia aos kosovares albaneses. Mas esse conflito europeu foi o que mereceu mais atenção da comunidade internacional, inclusive da ONU.
No ano passado ocorreram 27 grandes conflitos armados no mundo, segundo relatório divulgado ontem pelo Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Suécia).
Os países onde houve mais vítimas foram: Argélia (4.000 mortos), Sudão (2.500), Afeganistão (mais de 2.000) e Congo (ex-Zaire, mais de 2.000).
O confronto na Iugoslávia entre sérvios e kosovares albaneses matou entre 1.000 e 2.000 pessoas, segundo a ONG sueca, e figura em quinto na lista, seguido por Serra Leoa e Ruanda (com mais de 1.500 mortos).
Dos 27 conflitos, só dois foram entre países: entre Índia e Paquistão e entre Eritréia e Etiópia. Nos demais, tratou-se de choques internos (disputa pelo governo ou por parte do território), como em Kosovo.
Segundo o instituto, novos conflitos têm resultado da "violação maciça dos direitos humanos e de minorias e de limpeza étnica cometida por políticas nacionalistas agressivas". Acrescenta que "segue aberta a questão de saber quem está autorizado a obrigar um Estado a respeitar direitos violados, inclusive de seus próprios cidadãos".
No caso de Kosovo, a Otan (aliança militar ocidental) se outorgou o direito de agir, sem autorização das Nações Unidas.
A ONU só votou sobre o ataque depois de já iniciado e, ao final, criou a força de paz para Kosovo (controlada pela Otan).
Nos quatro casos mais graves que a Iugoslávia citados pelo instituto não houve, no entanto, reação tão severa nem por parte de órgãos multinacionais, como a Otan, nem por parte da ONU.
Pode-se dizer que são os conflitos esquecidos, que não atraem tanto a atenção da mídia. No Sudão, já houve mais de 37 mil mortos desde 83. No Afeganistão, mais de 20 mil desde 92.
O que deixa esses países, esses conflitos longe dos holofotes?
O fato de estarem no continente "errado" é um motivo. Uma disputa armada entre sérvios e kosovares (europeus, brancos) é mais próxima dos grandes consumidores de informação (Europa e EUA) do que a guerra civil entre negros no antigo Zaire.
Além disso, há o interesse geopolítico da Otan, que disse querer atuar do Canadá ao Cazaquistão, o que inclui os Bálcãs.
Com a crise de Kosovo, os ataques à Iugoslávia e as promessas de ajuda econômica, a Otan conseguiu a colaboração, ainda que informal, sem filiação, de quase todos os países da região, incluindo ex-aliados da Rússia, como a Romênia e a Bulgária.


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