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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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ANÁLISE

Papa é um dos maiores líderes de seu tempo

DO ENVIADO ESPECIAL

Nos últimos 25 anos, o papa definiu o seu tempo como talvez nenhum outro líder -religioso ou político- o tenha feito, e o próximo conclave (reunião a portas fechadas para eleger o líder da Igreja Católica) deve se iniciar com uma análise do pontificado de João Paulo 2º, 83.
Internacionalização da igreja (no Vaticano, não se estranha mais a presença de colombianos, vietnamitas, nigerianos ou nacionais de qualquer outro localidade), defesa dos direitos humanos, oposição veemente às guerras, apelo em prol do desarmamento e aproximação com outras religiões. Esses são alguns dos pontos positivos que marcaram a igreja sob a liderança de João Paulo 2º.
O papa chegou a ser cotado como um dos principais favoritos do Nobel da Paz na semana passada, mas o prêmio foi concedido à advogada iraniana Shirin Ebadi. De acordo com especialistas, críticas ao uso do preservativo e ao sexo fora do casamento estariam entre as razões que vetaram seu nome.
"Teria sido um belo presente para os 25 anos do pontificado", diz Enzo Fortunato, responsável pelo convento franciscano de Assis.
Clero em crise, redução das vocações, teólogos em rebelião e o princípio da autoridade desafiado. Alguns dos problemas deste pontificado, como os acima citados, mantêm-se bastante semelhantes aos presentes no final da década de 70, segundo o vaticanista Marco Politi. As principais diferenças dizem respeito à queda do comunismo em quase todo o mundo e à diminuição das perseguições religiosas -que eram muito freqüentes- em países que adotavam esse regime.

A favor do celibato clerical
Desde os primeiros dias de seu pontificado, João Paulo 2º defendeu energicamente o celibato clerical e a indissolubilidade do casamento e exaltou as mulheres que se recusavam a fazer aborto mesmo quando sua vida estava em perigo. "O planejamento familiar só pode ser feito de acordo com as leis morais, espirituais e naturais", declarou o papa para Nafis Sadik, subsecretária da ONU para População e Desenvolvimento, em 1994.
Sobre o que o cardeal López Trujillo definiu como "ataque criminoso" da ONU "contra a família no campo do controle da natalidade", o Vaticano disse: "Nenhuma instituição pública internacional tem o direito de pressionar os Estados para que imponham diretrizes que são incompatíveis com o respeito pela pessoa, pelas famílias ou pela independência nacional". O papa enviou cartas e telefonou para o secretário-geral da ONU Boutros Boutros-Ghali e para o presidente dos EUA Bill Clinton para argumentar que decisões tomadas na Conferência sobre População e Desenvolvimento (realizada no Cairo entre 5 e 13 de setembro de 1994) poderiam provocar o "declínio moral da humanidade".
Manteve-se firme na condenação ao uso do preservativo, após das cerca de 3 milhões de mortes por ano, segundo a ONU.
Ainda nos primeiros meses após o conclave, quando lhe perguntaram sobre a ordenação de mulheres, respondeu: "A Virgem preferiu se manter ao pé da cruz".

Contra a guerra
A condição polonesa de Karol Wojtyla (nome de batismo do papa) tornou-se parte central de sua política. No trono de são Pedro, João Paulo 2º se dedicou a mudar a situação da "igreja do silêncio" -a igreja oprimida por trás da Cortina de Ferro- e recordou aos regimes comunistas que havia cristãos que não tinham liberdade de expressão ou de prática religiosa.
Nas palavras do ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchov, "pode-se dizer que tudo o que aconteceu na Europa Oriental nos últimos anos teria sido impossível sem os esforços do papa e o enorme papel, inclusive político, que ele desempenhou na arena mundial".
Além disso, entre as iniciativas mais importantes que João Paulo 2º encabeçou, está a aproximação com outras denominações cristãs e com outras religiões (especialmente o judaísmo). Foi o primeiro líder católico a visitar uma sinagoga e uma mesquita e pediu perdão por erros cometidos no passado.
João Paulo 2º defendeu o perdão da dívida externa de países em desenvolvimento e classificou Guerra do Iraque de "imoral e injusta".
"Quando uma guerra, como a que ocorre no Iraque, ameaça o destino da humanidade, é urgente que proclamemos, com uma voz forte e decidida, que somente a paz é o caminho a ser seguido para construir uma sociedade mais justa e mais unida", afirmou.
Sua voz foi ouvida por muitos católicos, mas não impediu a deflagração do conflito.
Quando Wojtyla disse "sim" e aceitou sua eleição como papa, em 16 de outubro de 1978, acrescentou uma frase que não fazia parte da tradição: "Com a obediência na fé em Cristo, meu Senhor, e minha confiança na mãe de Cristo e da igreja, a despeito das grandes dificuldades".
Pouco antes, quando seu nome adquiria mais força a cada escrutínio do conclave, mostrou-se tenso e pôs-se a chorar, segundo relatos, ao ponto de alguns cardeais questionarem se ele recusaria a indicação.(PDF)

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