São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2010 |
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RUBENS RICUPERO Recuo estratégico
MUDARAM TANTO as premissas da economia mundial que é inevitável reavaliar a forma como esperamos nos inserir pelo comércio no espaço globalizado, inclusive em relação à integração da América Latina. Nos primórdios da integração, o mundo aparecia como simples dualidade. Bastaria industrializar a região para exportar manufaturas simples aos abastados: EUA, Europa e Japão. Não existiam, em 1960, riscos de concorrência do lado de outros subdesenvolvidos. Sobretudo não existiam ameaças da China nem da Índia. Hoje, a presença avassaladora da China subverteu todas as premissas. Suas manufaturas deslocam as latino-americanas, mesmo favorecidas por acordos de livre comércio, do mercado dos EUA. Insaciáveis, os chineses invadem também mercados latinos nos nichos antes destinados a outros latinos (por exemplo, os produtos brasileiros substituídos pelos chineses na Argentina). Desaparecem, assim, um a um os possíveis mercados imaginados pela integração. O que sobra para a indústria nacional -até quando?- é parcela cada vez menor do mercado interno. A China cria com seus mercados relação de dependência que alguns confundem com a superação da antiga divisão internacional do trabalho. Compensa os deficits dos EUA comprando dólares, o que lhe permite manter desvalorizada a moeda. Dos asiáticos importa insumos, integrando-os em sua cadeia produtiva. Aos latinos e africanos adquire commodities. Exceto no caso dos asiáticos, a consequência da política comercial chinesa é solapar a indústria dos demais. Ora, a industrialização foi sempre a premissa da integração regional. Não havendo chance de se industrializar, como se integrarão entre si os latinos ou africanos? Pelos serviços, a agricultura? Foram também os empregos industriais que permitiram a transformação de antigos camponeses em operários de classe média nos subúrbios das cidades europeias e dos EUA. Neste último, foi a indústria que integrou os negros emigrados do Sul. A comprovada eficiência da indústria como integradora social está sendo agora utilizada pela China e a Índia a fim de absorver centenas de milhões de camponeses que se transferem às cidades. O único problema é que fazem isso não tanto pelo consumo interno, mas ocupando os mercados alheios, inclusive os nossos. Depois do deficit de US$ 28 bilhões do mês passado, os EUA dão sinais de que estão chegando ao limite. Querem restringir os chineses e dobrar as próprias exportações, entre outros ao Brasil. Com nosso atraso e nossa pobreza, podemos nos dar ao luxo de emprestar o mercado para que os demais resolvam seus problemas? Impõe-se um recuo para reavaliar nossa estratégia global. Primeiro, se quisermos manter a indústria, temos de deter a enxurrada de importações beneficiadas por moeda manipulada e práticas desleais de comércio. Segundo, se vamos depender de commodities, cujos mercados estão na Ásia, os mercados da América Latina passarão a ter importância residual e secundária. Cedo ou tarde, a indústria brasileira, estrangulada em sua expansão interna e de exportação, não terá condições tecnológicas e de custo nem para aproveitar as preferências tarifárias ainda existentes. Texto Anterior: Geração atual enfraquece guerras culturais Próximo Texto: Celebração de mineiros tem santos e pajés Índice | Comunicar Erros |
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