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Celebração de mineiros tem santos e pajés
De volta às suas casas na periferia de Copiapó, resgatados comemoram libertação com procissão sincrética
Festa na noite de sexta
ocorreu longe do olhar
das autoridades; aqui
pagamos promessas
bailando, diz moradora
Martin Mejia/Associated Press
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O mineiro Carlos Mamani, o único boliviano do grupo, volta para casa em Copiapó; apenas um deles ainda está internado
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE)
Dentro do refeitório dos familiares de mineiros, durante todo o tempo que existiu o
acampamento Esperança,
montado na frente da mina
San José, a imagem de mais
de metro de uma Nossa Senhora do Carmo vestida com
túnica marrom esteve lá.
Na sexta-feira à noite, centenas de moradores das localidades de Til-Til e Manuel
Rodriguez, na periferia de
Copiapó, fizeram questão de
se unir aos mineiros Carlos
Bugueño, Pablo Rojas, Ariel
Ticona e Pedro Cortez, que tinham acabado de receber alta do Hospital Regional.
Mais de 70 dias depois do
dia em que saíram de suas
casas para trabalhar na mina
San José, era a primeira vez
que os quatro homens voltavam. Haviam enfrentado a
fome e o desespero depois
que a mina desabou, em 5 de
agosto, aprisionando-os sob
toneladas de terra, rochas e
cobre.
Mas, nem bem chegaram,
os quatro mineiros saíram
pelos bairros, em procissão
de louvor à Virgem, que devolveram a seu altar, no alto
de um morro.
Nas ruas mal iluminadas,
de casinhas frágeis e muitos
barracos de madeira, sob o
teto de estrelas do deserto,
desfilou o cortejo do Chile
profundo. Indígena e espanhol.
Na frente, ia a camionete
com a Virgem, abraçada pelos mineiros Carlos Bugueño
e Pedro Cortez. Logo atrás, a
pé, seguia a imagem de São
Lourenço, o padroeiro dos
mineiros.
Então, desdobrava-se a
banda do Índio Padre Negro,
associação religiosa de Copiapó. Cornetas, tubas, caixas, pratos e bumbos enormes tocavam furiosamente
um carnaval indígena, seguidos de perto por mulheres e
meninas vestidas como índias, agitando chocalhos.
Como efeito especial comemorativo pela libertação
dos mineiros, os cocares foram decorados com circuitos
de luzinhas azuis chinesas.
E, no meio da música, imperava a coreografia alucinada de um pajé com máscara
horripilante.
O povo vinha atrás, a
maioria com os filhos pequenos fantasiados de indiozinhos, dados em promessa à
Virgem em pagamento por
bênçãos recebidas.
Lorena Ávila, 20, dançava
com a menina Fiorela, 1 ano,
roupinha de inca com lantejoulas, penacho na cabeça.
"Aqui, se pagam promessas
bailando", explicou.
A decoração da festa limitava-se a bandeiras do Chile,
poucas faixas com dizeres
como "Orgulho dos nossos
mineiros", e varais atravessados, em que se amarraram
sacos de supermercado (o
vento do deserto, enchendo-os, criava a impressão de que
fossem balões).
Era uma festa deles. Nenhum político presente. Nenhuma câmera de televisão.
Nem o padre compareceu.
Mesmo assim, os mineiros
foram protegidos o tempo todo da imprensa. Delicadamente, os vizinhos pediam
para que não se disparassem
flashs (seus olhos ainda estariam muito sensíveis à luz),
para que não fossem perturbados com entrevistas. "Agora, não, por favor."
PROCISSÃO
A procissão passou pela
casa do mineiro Mario Gómez, 63, o mais velho dos 33.
Ainda se recuperando de
uma pneumonia, ele ficou
dentro da casa sem reboco de
60 m2 que divide com a mulher Lilian Ramirez.
Da porta de casa, Lilian
sorria: desfizera-se da máscara trágica que as televisões
chilenas e estrangeiras não
cansaram de mostrar.
Quando a procissão alcançou o morro Capi, sobre o
qual o próprio Mario Gómez
construiu há anos o altar da
Virgem, viu-se que a escalada pelas rochas e areia tinha
de vencer ainda outro obstáculo: o sopé da elevação foi
ocupado por uma favelinha.
A Virgem entrou na casa
do também mineiro Oswaldo
Ignacio Castillo, saiu pelo
quintal, e só então subiu pelo
caminho escorregadio, levada pelo quatro mineiros.
Lá embaixo, os vizinhos
rezaram o Pai Nosso e a Ave
Maria. Os quatro, finalmente, estavam entre os seus.
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