São Paulo, quinta, 17 de dezembro de 1998

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Clinton usa guerra para sobreviver

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Bill Clinton tem usado com frequência artifícios de guerra e paz no seu sisífico esforço de se desvencilhar dos constrangimentos do escândalo Monica Lewinsky.
Em diversos momentos críticos do caso que inferniza seu governo, o presidente dos EUA tentou interpretar o papel de Ares, o deus grego que representava a guerra, na esperança de que o público deixasse de associá-lo com Eros.
Pelo menos no curto prazo, tem conseguido sucesso. Os norte-americanos têm uma tradição cultural fortíssima: esquecem suas dissensões internas sempre que acham que o país está sob a ameaça de qualquer inimigo externo.
A regra não falha. Funcionou, por exemplo, em 20 de agosto, quando, logo depois de ter admitido pela primeira vez em público sua relação "não apropriada" com Lewinsky, Clinton ordenou ataque contra Sudão e Afeganistão.
O "timing" era tão suspeito que dois senadores chegaram a questionar as razões do presidente.
Mas suas vozes foram logo caladas pela avalanche de apoio de políticos, da oposição e do governo, e de cidadãos comuns à decisão.
O líder da oposição, Trent Lott, resumiu o sentimento nacional: "Todos devemos dar apoio ao presidente neste momento", disse ele.
Pouco importa que nos meses seguintes se tenha provado que a agressão contra os dois países (feita em nome do combate ao terrorismo) foi inócua.
Também não causou comoção o fato de, até agora, quatro meses depois, os EUA não terem oferecido ao mundo provas de que o seu alvo principal no Sudão não era, como afirmam os sudaneses, uma inofensiva fábrica de medicamentos, e sim de armas químicas.
Bastou Clinton considerar a possibilidade de uma ação militar contra o Iraque, o ainda inimigo nacional número um dos EUA, para a ladainha da unidade nacional ser invocada uma vez mais.
Newt Gingrich e Bob Livingston, o presidente da Câmara que sai e o que entra, já anunciaram sua disposição de suspender o debate e a votação do impeachment de Clinton para deixá-lo exercer em paz as funções de líder militar do país.
Nada melhor para Clinton: ganhará preciosos dias para pressionar os 74 deputados indecisos na questão do impeachment, envolto na aura de popularidade que essas ações bélicas costumam gerar.
Nas vezes em que tentou representar a figura de pomba da paz para esconjurar o escândalo, Clinton não obteve tanto êxito quanto na sua representação marcial.
Em 21 de janeiro, o presidente sofreu o vexame de ser impiedosamente assediado por jornalistas que só queriam saber de Lewinsky no Salão Oval da Casa Branca, ao lado de um embaraçado Arafat.
Em 21 de setembro, no dia em que o país viu o vídeo de seu depoimento ao júri de inquérito do escândalo, Clinton tentava, de novo, se converter no responsável pelo acordo final da paz no Oriente Médio. Mas Netanyahu não o ajudou e frustou sua ambição.
De regresso a Washington após outro malogrado esforço de conciliar Arafat e Netanyahu, Clinton resolveu apelar para o recurso mais seguro de punir o sempre disponível vilão Saddam Hussein.
O público norte-americano continua disposto a sacrificar tudo em nome da necessidade de apoiar seu líder em tempos de confronto.



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