|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Os EUA e o monstro
DO ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO
Novamente, os Estados Unidos brincam com o perigo ao
criar monstros e deixá-los fora
de controle numa das regiões
mais indomáveis do mundo.
O primeiro erro todos conhecem: alimentaram os mujahidin, chamados de "guerreiros
da liberdade" pelo hoje endeusado Ronald Reagan, para que
combatessem Moscou nas
montanhas geladas do Afeganistão. Deu certo, mas esquecerem do momento seguinte.
Resultado, os afegãos começaram a se matar. Até que a potência regional vizinha, o Paquistão, bancou a aventura de
um grupo de mujahidin de sua
própria lavra -o Taleban, grupo de estudantes religiosos miseráveis que receberam treinamento militar e armas dos serviços secretos paquistaneses, e
apoio financeiro dos wahabbitas sauditas. Deu no que deu.
Anos de um regime hediondo,
santuário para os jihadistas internacionalistas de Osama bin
Laden, 11 de Setembro.
No desespero de 2001, Washington pegou no colo um presidente que acabara de consolidar seu poder de forma autoritária, mas que fazia juras à democracia e tinha uma face liberal agradável. Era Pervez Musharraf, que controlava o Exército e os poderosos serviços secretos, essenciais para a caça
aos mujahidins do mulá Omar.
Foi útil enquanto durou. Mas
Musharraf, após anos de relativa estabilidade, começou a se
desgastar. As CNNs da vida
adoram falar da "rua árabe",
mas se há uma rua que realmente causa estrago em seus
governos é a paquistanesa.
Os alegados US$ 10 bilhões
colocados no Paquistão foram
parar, ao que tudo indica, na infra-estrutura militar. Ninguém
falou em desvios até aqui, mas
só agora agências americanas
perceberam que o dinheiro poderia ter sido usado para comprar corações e mentes nas turbulentas zonas tribais em que
membros do Taleban acharam
refúgio com os primos étnicos.
Não, pobreza não gera violência por princípio. Mas nesses lugares, pobreza pode levar
ao extremismo devido também
a fatores culturais -religião,
princípios de soberania, valores tribais. Ao obrigar Musharraf a perseguir os seus, porque
um membro do Taleban e um
civil pashtu paquistanês são
quase indistinguíveis numa
operação militar, os EUA selaram sua morte política.
Com o apoio no Exército em
erosão, a classe média perdida e
os pobres alienados como sempre, o tempo joga contra Musharraf. Ele pode endurecer. A
oposição pode acabar no poder.
Mas a gestação já terá começado. Que monstro sairá desta
barriga, talvez os EUA sejam os
primeiros a descobrir.
(IG)
Texto Anterior: O oposicionista: "Queremos mudanças e garantias" Próximo Texto: Eleição americana / Superdelegados: Visado, Gore opta por neutralidade Índice
|