São Paulo, segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

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ARTIGO

Os EUA e o monstro

DO ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

Novamente, os Estados Unidos brincam com o perigo ao criar monstros e deixá-los fora de controle numa das regiões mais indomáveis do mundo.
O primeiro erro todos conhecem: alimentaram os mujahidin, chamados de "guerreiros da liberdade" pelo hoje endeusado Ronald Reagan, para que combatessem Moscou nas montanhas geladas do Afeganistão. Deu certo, mas esquecerem do momento seguinte.
Resultado, os afegãos começaram a se matar. Até que a potência regional vizinha, o Paquistão, bancou a aventura de um grupo de mujahidin de sua própria lavra -o Taleban, grupo de estudantes religiosos miseráveis que receberam treinamento militar e armas dos serviços secretos paquistaneses, e apoio financeiro dos wahabbitas sauditas. Deu no que deu. Anos de um regime hediondo, santuário para os jihadistas internacionalistas de Osama bin Laden, 11 de Setembro.
No desespero de 2001, Washington pegou no colo um presidente que acabara de consolidar seu poder de forma autoritária, mas que fazia juras à democracia e tinha uma face liberal agradável. Era Pervez Musharraf, que controlava o Exército e os poderosos serviços secretos, essenciais para a caça aos mujahidins do mulá Omar.
Foi útil enquanto durou. Mas Musharraf, após anos de relativa estabilidade, começou a se desgastar. As CNNs da vida adoram falar da "rua árabe", mas se há uma rua que realmente causa estrago em seus governos é a paquistanesa.
Os alegados US$ 10 bilhões colocados no Paquistão foram parar, ao que tudo indica, na infra-estrutura militar. Ninguém falou em desvios até aqui, mas só agora agências americanas perceberam que o dinheiro poderia ter sido usado para comprar corações e mentes nas turbulentas zonas tribais em que membros do Taleban acharam refúgio com os primos étnicos.
Não, pobreza não gera violência por princípio. Mas nesses lugares, pobreza pode levar ao extremismo devido também a fatores culturais -religião, princípios de soberania, valores tribais. Ao obrigar Musharraf a perseguir os seus, porque um membro do Taleban e um civil pashtu paquistanês são quase indistinguíveis numa operação militar, os EUA selaram sua morte política.
Com o apoio no Exército em erosão, a classe média perdida e os pobres alienados como sempre, o tempo joga contra Musharraf. Ele pode endurecer. A oposição pode acabar no poder. Mas a gestação já terá começado. Que monstro sairá desta barriga, talvez os EUA sejam os primeiros a descobrir. (IG)


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