|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DIREITOS HUMANOS
Militantes pró-democracia e membros da seita Fa Lun Gong são tratados com choques elétricos e confinamento
China interna dissidentes como loucos
MARCELO STAROBINAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES
A China tem utilizado uma rede
de hospitais psiquiátricos para infratores como centro de detenção
e tortura de dissidentes do regime
do Partido Comunista.
Militantes pró-democracia e
adeptos do movimento religioso
Fa Lun Gong são rotulados pelas
autoridades como mentalmente
instáveis, diagnosticados como
"psicóticos paranóicos" e "tratados" com choques elétricos, altas
doses de medicamentos e confinamento por períodos indeterminados em celas escuras.
As informações fazem parte de
um estudo do pesquisador britânico Robin Munro, da Escola de
Estudos Orientais e Africanos da
Universidade de Londres, publicado na última edição do "Columbia Journal of Asian Law".
As descobertas são resultado de
depoimentos de vítimas de tortura e seus familiares e de extensa
pesquisa da literatura oficial chinesa sobre o uso dos manicômios
judiciários. A chancelaria chinesa
nega as acusações (leia texto nesta
página).
Segundo Munro, o uso político
da psiquiatria na China possui os
mesmos aspectos das práticas registradas na União Soviética nos
anos 70 e 80.
Atingem, porém, números bem
maiores de vítimas. Nos seus cálculos, pelo menos 3.000 prisioneiros de consciência foram considerados "loucos" e internados junto
com condenados de alta periculosidade nos últimos 20 anos.
"As pessoas basicamente desaparecem dentro desse sistema
psiquiátrico e podem ficar lá dentro pelo resto da vida. Como são
acusados de serem loucos, só podem sair quando as autoridades
disserem que estão curados", disse Munro à Folha, em seu escritório em Londres.
Rede de hospitais
De acordo com o estudo, intitulado "Psiquiatria judicial na China e seus abusos políticos", a partir de 1987 o governo chinês colocou em operação uma rede de 20
hospitais psiquiátricos sob o comando do Ministério da Segurança Pública. Esses hospitais são conhecidos como Ankang (Paz e Felicidade, em chinês).
Poucos chineses têm conhecimento da existência dos Ankang,
mas o governo, apesar de não fazer alarde, tampouco tenta esconder que utiliza os hospitais como
ferramenta na repressão.
Na visão da polícia política e dos
psiquiatras a serviço do Partido
Comunista, uma pessoa precisa
ser mentalmente desequilibrada
para ir a público atacar o governo.
"As autoridades dizem que esses dissidentes não têm instinto
de autopreservação e consideram
seus protestos como um sinal de
patologia mental", afirma Robin
Munro.
Um dos exemplos citados pelo
britânico é o caso de Wang Wanxing. Preso em 1992 ao carregar
uma faixa em defesa da democracia e dos direitos humanos na praça Tiananmen -local no centro
de Pequim onde estudantes foram massacrados em 1989-, ele
foi classificado como "psicótico
paranóico" e internado num Ankang.
Sua mulher foi pressionada pela
polícia a assinar um documento
atestando que Wang tinha problemas mentais, mas se negou a
fazê-lo. Após sete anos de detenção, o dissidente pôde sair por
três meses em liberdade condicional. Ao final desse período, convocou uma entrevista coletiva para falar sobre sua experiência no
hospital psiquiátrico. Antes que
conseguisse falar, foi levado de
volta preso por agentes do serviço
de segurança.
Fa Lun Gong
Após um período em que o número de dissidentes levados para
"tratamento" vinha caindo, os
manicômios judiciários chineses
estão novamente cheios. Segundo
Munro, o método tem sido amplamente utilizado pela China em
sua ofensiva contra a Fa Lun
Gong (movimento religioso que
mistura exercícios físicos com
meditação, que vem atraindo milhões de chineses).
Segundo o movimento, pelos
menos cem de seus seguidores já
foram enviados aos hospitais,
mas Munro acredita que esse tipo
de repressão já atinja centenas deles. "As pessoas da Fa Lun Gong
contam que são amarradas com
cordas, mantidas em quartos escuros por longos períodos, não
recebem comida e água suficiente
e são forçadas a tomar grandes
quantidades de remédios desconhecidos, que provocam graves
danos mentais colaterais."
Pequim vê a Fa Lun Gong como
uma perigosa ameaça ao rígido
controle social do Partido Comunista sobre a maior população do
mundo (1,2 bilhão de habitantes).
Na tentativa de conter o rápido
crescimento do grupo, a propaganda oficial argumenta que a
prática do kicong (arte marcial
utilizada nos rituais) provoca
problemas mentais.
Grupos de defesa dos direitos
humanos vêm criticando o uso
político da psiquiatria na China.
O Programa Genebra de Psiquiatria, entidade que reúne médicos
dos EUA e da Europa, vem pressionando associações nacionais
de psiquiatria de todo o mundo
para que condenem essa prática.
Tenta também conseguir a suspensão da China do próximo encontro da Associação Mundial de
Psicologia.
Texto Anterior: Terrorismo: Putin pede extradição de sequestradores Próximo Texto: Outro lado: China nega uso de hospitais como punição Índice
|