São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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ANÁLISE

Terrorismo islâmico não se resume à Al Qaeda

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os EUA afirmaram ontem que havia fortes indícios de que o atentado terrorista em Bagdá tivesse sido cometido por extremistas islâmicos. Para um chefe militar americano, a ação "se encaixa no perfil" de organizações terroristas islâmicas como o Ansar al Islam e o grupo do jordaniano Abu Musab al Zarqawi, acusados de ter ligação com a Al Qaeda.
Desde o 11 de Setembro, uma miríade de atentados mais ou menos sangrentos foram atribuídos à rede comandada pelo saudita Osama bin Laden. De Bali, na Indonésia, a Madri, passando por Casablanca, em Marrocos, a Al Qaeda seria responsável por ataques a interesses ocidentais, sobretudo relacionados aos EUA.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, contudo, não se pode dizer que a rede terrorista responsável pelo massacre de 11 de setembro de 2001 esteja ativamente por trás de todos esses atentados por razões práticas: caçada pelas forças lideradas por Washington nos quatro cantos do planeta (principalmente na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão), a Al Qaeda simplesmente não conseguiria orquestrar ataques em locais distantes com facilidade.
"A Al Qaeda sempre foi uma rede difusa, cujas células agem de modo quase independente de seu comando central, já que, para ela, é essencial manter o sigilo para evitar que suas intenções sejam descobertas pelos serviços secretos dos países que a perseguem", explicou o ex-embaixador Philip Wilcox, que chefiou o setor de contraterrorismo do Departamento de Estado dos EUA.
"Como foram bem-sucedidas aos olhos dos extremistas islâmicos, suas ações inspiram outros grupos. Muitos dos ataques posteriores ao 11 de Setembro, ademais, foram bem planejados, o que implica conhecimento do "terrorismo-catástrofe". E inúmeros terroristas que estão espalhados pelo mundo foram treinados em campos da Al Qaeda no Sudão ou no Afeganistão e, portanto, tiveram elo com a rede", afirmou.
Com efeito, vários grupos terroristas que, segundo o Pentágono, têm ligação com a Al Qaeda, como o Abu Sayyaf filipino ou as Brigadas dos Mártires de Abu Hafs al Masri (que reivindicaram os atentados de Madri), contam com militantes que estiveram nos campos de treinamento comandados por Bin Laden. Porém, como ressaltou Amatzia Baram, especialista em terror da Universidade de Haifa (Israel), o grau de envolvimento da Al Qaeda em certos atentados "é mínimo".
"A Al Qaeda tornou-se um tipo de guarda-chuva. Extremistas islâmicos de todo o planeta compartilham seu objetivo, que é derrotar os infiéis que maculam a terra santa [Arábia Saudita, país em que estão Meca e Medina, cidades sagradas do islamismo], e o estilo de vida difundido pelos infiéis, que, para os extremistas, é contrário ao pensamento islâmico."
"Os terroristas também compartilham a interpretação radical do islã que foi propagada pelo wahabismo saudita. Esta é similar à visão de Bin Laden. Ademais, eles passaram a crer nos métodos da Al Qaeda, pois eles chamaram a atenção do Ocidente como jamais havia ocorrido", avaliou Baram.
A rede plantou uma semente que gerou frutos, não precisando mais estar na linha de frente. Ou seja, o mundo está diante de uma ameaça ainda mais profunda, e a morte ou a prisão de Bin Laden não resolverá o problema.


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