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"Saddam vai dificultar", prevê ex-mediador brasileiro na ONU
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
As inspeções para conferir a
existência ou não de armas nucleares, químicas e biológicas no
Iraque serão mais difíceis agora
do que foram até 1998, na opinião
do embaixador brasileiro no Reino Unido, Celso Amorim -que
coordenou para a ONU relatórios
sobre a situação iraquiana entre
1998 e 1999.
Para ele, a atual situação mundial e a ausência de inspeções nos
últimos anos aumentaram as dúvidas. Ele acredita que Saddam
Hussein venha a fazer de tudo para dificultar as inspeções em seus
arsenais.
"O programa biológico do Iraque era onde havia mais obscuridade", disse Amorim em entrevista à Folha.
Amorim exercia o cargo de embaixador do Brasil na ONU no período em que o país integrava o
Conselho de Segurança -em janeiro de 1999, poucos dias após a
operação Raposa no Deserto, em
que EUA e Reino Unido atacaram
o Iraque, o Brasil assumiu a liderança do CS.
A missão de Amorim foi estabelecer o diálogo entre os cinco
membros permanentes do conselho, que estavam divididos sobre
o Iraque.
Folha - Quais as dificuldades que
o sr. vê agora para a volta dos inspetores ao Iraque?
Celso Amorim - Em 1998, talvez
tivesse sido possível buscar uma
solução que combinasse uma presença reforçada dos inspetores e
uma maior flexibilidade nas sanções ao Iraque. Hoje eu não sei se
há possibilidade disso. Mas o assunto é muito sensível, e quem
deve se pronunciar sobre ele é o
ministro das Relações Exteriores.
Não tenho todos os dados.
Folha - Por que o sr. acha que não
seja mais possível uma solução?
Amorim - Porque a situação
mundial mudou muito após 11 de
setembro. Também porque se
passaram muitos anos sem que
houvesse inspeção no Iraque. Isso
torna tudo mais difícil. O fato, porém, de o Iraque aceitar incondicionalmente a ida de inspetores é
um primeiro passo.
Folha - Na sua opinião, que procedimentos a ONU deveria adotar
agora para ter bons resultados com
as inspeções?
Amorim - Acho que as inspeções
da ONU funcionaram relativamente bem durante um período
grande. A própria agência atômica chegou a dizer, em 1998, que
naquele momento parecia não
haver mais evidências de que o
Iraque estivesse tentando reconstituir seu programa nuclear, embora outras áreas não tivessem ficado tão claras, até pela própria
natureza do eventual armamento,
como as armas biológicas.
Folha - Que outros aspectos da
inspeção ficaram pendentes?
Amorim - Havia dúvidas sobre
vários setores. Por exemplo, sobre
um número reduzido dos muitos
mísseis que o Iraque tinha antes e
que não puderam ser contabilizados plenamente. Havia algumas
dúvidas na área de armas químicas e também sobre o possível desenvolvimento de outros programas.
O programa biológico do Iraque era onde havia mais obscuridade. Sabia-se que o Iraque tinha
importado alguns elementos que
servem para fazer armas biológicas, mas também para outras coisas. Havia dúvidas sobre o antraz,
inclusive. Enfim, havia dúvidas,
mas também não tínhamos certeza de que eles possuíssem armas
biológicas. Era uma situação
complexa, pois as resoluções
eram construídas de tal maneira
que o Iraque é que precisava demonstrar que não possuía as armas. Era uma prova negativa.
Folha - Esses problemas voltarão a ser colocados agora, não?
Amorim - É provável. Acho que é uma dificuldade intrínseca. Se o
Iraque tiver uma atitude mais cooperativa, se não fizer obstruções, fica menos provável que haja alguma coisa. Mas isso dificilmente vai ocorrer porque a impressão reinante é que Saddam Hussein vai usar de tudo como pretexto para dificultar [as inspeções].
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