São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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"Saddam vai dificultar", prevê ex-mediador brasileiro na ONU

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

As inspeções para conferir a existência ou não de armas nucleares, químicas e biológicas no Iraque serão mais difíceis agora do que foram até 1998, na opinião do embaixador brasileiro no Reino Unido, Celso Amorim -que coordenou para a ONU relatórios sobre a situação iraquiana entre 1998 e 1999.
Para ele, a atual situação mundial e a ausência de inspeções nos últimos anos aumentaram as dúvidas. Ele acredita que Saddam Hussein venha a fazer de tudo para dificultar as inspeções em seus arsenais.
"O programa biológico do Iraque era onde havia mais obscuridade", disse Amorim em entrevista à Folha.
Amorim exercia o cargo de embaixador do Brasil na ONU no período em que o país integrava o Conselho de Segurança -em janeiro de 1999, poucos dias após a operação Raposa no Deserto, em que EUA e Reino Unido atacaram o Iraque, o Brasil assumiu a liderança do CS.
A missão de Amorim foi estabelecer o diálogo entre os cinco membros permanentes do conselho, que estavam divididos sobre o Iraque.

Folha - Quais as dificuldades que o sr. vê agora para a volta dos inspetores ao Iraque?
Celso Amorim -
Em 1998, talvez tivesse sido possível buscar uma solução que combinasse uma presença reforçada dos inspetores e uma maior flexibilidade nas sanções ao Iraque. Hoje eu não sei se há possibilidade disso. Mas o assunto é muito sensível, e quem deve se pronunciar sobre ele é o ministro das Relações Exteriores. Não tenho todos os dados.

Folha - Por que o sr. acha que não seja mais possível uma solução?
Amorim -
Porque a situação mundial mudou muito após 11 de setembro. Também porque se passaram muitos anos sem que houvesse inspeção no Iraque. Isso torna tudo mais difícil. O fato, porém, de o Iraque aceitar incondicionalmente a ida de inspetores é um primeiro passo.

Folha - Na sua opinião, que procedimentos a ONU deveria adotar agora para ter bons resultados com as inspeções?
Amorim -
Acho que as inspeções da ONU funcionaram relativamente bem durante um período grande. A própria agência atômica chegou a dizer, em 1998, que naquele momento parecia não haver mais evidências de que o Iraque estivesse tentando reconstituir seu programa nuclear, embora outras áreas não tivessem ficado tão claras, até pela própria natureza do eventual armamento, como as armas biológicas.

Folha - Que outros aspectos da inspeção ficaram pendentes?
Amorim -
Havia dúvidas sobre vários setores. Por exemplo, sobre um número reduzido dos muitos mísseis que o Iraque tinha antes e que não puderam ser contabilizados plenamente. Havia algumas dúvidas na área de armas químicas e também sobre o possível desenvolvimento de outros programas.
O programa biológico do Iraque era onde havia mais obscuridade. Sabia-se que o Iraque tinha importado alguns elementos que servem para fazer armas biológicas, mas também para outras coisas. Havia dúvidas sobre o antraz, inclusive. Enfim, havia dúvidas, mas também não tínhamos certeza de que eles possuíssem armas biológicas. Era uma situação complexa, pois as resoluções eram construídas de tal maneira que o Iraque é que precisava demonstrar que não possuía as armas. Era uma prova negativa.

Folha - Esses problemas voltarão a ser colocados agora, não?
Amorim -
É provável. Acho que é uma dificuldade intrínseca. Se o Iraque tiver uma atitude mais cooperativa, se não fizer obstruções, fica menos provável que haja alguma coisa. Mas isso dificilmente vai ocorrer porque a impressão reinante é que Saddam Hussein vai usar de tudo como pretexto para dificultar [as inspeções].


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