São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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Terrorista hoje, Basayev já foi bem mais contido

C. J. CHIVERS
DO "NEW YORK TIMES", EM MOSCOU

O homem mais desprezado da Rússia se movimenta em segredo ao longo das fronteiras de um país cujos serviços de segurança eram, no passado, vistos como oniscientes. Deve ser difícil para ele se manter oculto, já que só tem um pé, utiliza a cabeça raspada e porta uma barba que lembra a dos líderes do Taleban, milícia afegã.
Shamil Basayev sempre teve senso do espetáculo na preparação de atentados. Antes, porém, mostrava maior capacidade de contenção. Seu primeiro ataque terrorista ocorreu em 1991. Basayev, que tinha 26 anos, seqüestrou um avião de passageiros à frente de um grupo de combatentes armados. Forçou o jato a levá-los à Turquia e, depois, a Grozni, capital tchetchena. Após provar seu ponto de que a Tchetchênia era uma nação soberana, afirmou, permitiu a saída dos 171 reféns.
Basayev optou por não usar a força e atraiu muita atenção, o que é sempre um de seus objetivos. "Queríamos demonstrar que recorreríamos a qualquer instrumento para defender nossa soberania", disse ele à TV de Moscou.
Do seqüestro de 1991 aos cadáveres infantis de Beslan, a história da carreira de Basayev reflete a ascensão, a radicalização e a decadência moral de um líder rebelde.
Durante sua longa temporada à frente da lista de homens mais procurados da Rússia, Basayev abandonou por algum tempo sua imagem de terrorista, nos anos 90, e se tornou um prestigiado líder guerrilheiro, esbanjando destreza tática e sarcasmo no comando dos combatentes que expulsaram o Exército russo do território tchetcheno. Naquela época, ele raramente exibia os hábitos ascéticos dos extremistas islâmicos que mais tarde viria a adotar.
Mesmo com as vitórias, porém, essa personificação do guerreiro tchetcheno começou a sofrer com a guerra, na qual perdeu boa parte da família. Após passar uma temporada em contato com militantes islâmicos estrangeiros, assumiu uma forma mais sombria. Basayev se tornou um homem dedicado à guerra total.
A Rússia ofereceu uma recompensa de US$ 10,3 milhões pela cabeça calva de Basayev. Enquanto a caçada humana prossegue de maneira ainda mais urgente, as pessoas que o conheciam ficam a imaginar de que maneira o separatista se transformou em niilista?
Ainda jovem, vivendo em Moscou, foi às barricadas ao lado de Boris Ieltsin, para resistir ao golpe de Estado que resultou na desintegração da URSS, em 1991, decisão que descreveu como calculada, alegando que, se a linha dura soviética tivesse obtido sucesso na tentativa de golpe, "podíamos dizer adeus à independência tchetchena". Meses mais tarde, após a Tchetchênia se declarar independente, ele chegou a Grozni com o jato seqüestrado. Reapareceu em 1992, como líder dos guerrilheiros da Abkházia, que eram apoiados pelos russos, para tentar criar um Estado separado da Geórgia.
Esse conflito acabou, em 1993, com a retirada das forças georgianas e o estabelecimento da pequena república da Abkházia, proclamada localmente. Basayev voltou à Tchetchênia acompanhado por mais de 500 combatentes. Há suspeitas sobre suas atividades no início da carreira de guerrilheiro. Muitas pessoas que estudaram sua vida alegam que os serviços de inteligência russos o treinaram para a guerra da Abkházia. A Rússia nega tê-lo ajudado.
Basayev teria ido ao Afeganistão, em 1994, para treinar num acampamento terrorista. Basayev já disse ao "New York Times" que isso não procede, mas outras fontes alegam que ele confirmou a informação. A guerra na Tchetchênia irrompeu no final de 1994, Basayev organizou as defesas de Grozni e emergiu como o mais competente dos comandantes da resistência. Em maio de 1995, os russos destruíram as casas de sua família. Os ataques teriam matado 11 de seus parentes, incluindo a mulher, duas filhas e um irmão.
Em 1997, ele perdeu a eleição para a Presidência tchetchena. Mas o novo governo o nomeou premiê, posto para o qual suas habilidades não servem muito. A Tchetchênia se tornou um Estado sem lei, e a situação foi explorada por extremistas islâmicos.
Um comandante árabe estabeleceu campos de treinamento na região, dizem funcionários do governo russo e de Estados ocidentais. A colaboração de Basayev estava implícita, pois os campos se localizavam em zona sob seu controle. Os estudiosos da carreira de Basayev dizem que isso parece ser um casamento de conveniência. Marginalizado na política, ele se uniu aos islâmicos e obteve acesso ao exterior e a fontes de renda.
Basayev começou, então, a se aproximar do islamismo. Sua luta passou a ser vista como causa islâmica. Em 2000, quando a Rússia atacava de novo a Tchetchênia, só um governo reconheceu a independência tchetchena: o do Taleban. Sob pressão de uma nova ofensiva, ele se retirou de Grozni. Mas Basayev pisou numa mina. Seu pé foi amputado. Desde então, raramente foi visto e comanda de esconderijos sua rede.


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