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EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS
No "Dans le Noir", onde garçons são cegos, até relógios são vedados para garantir a escuridão na refeição
Restaurante francês serve comida no escuro
FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS
"Até agora ainda não sei o que
comi. Mas acho que estou com
uma beringela na boca. Como você está se virando?", pergunta
Marc, 40. "Também não tenho a
mínima idéia do que há no meu
prato. E ainda não consegui reconhecer do que é feito o molho",
acrescenta seu companheiro de
mesa, Jean-Christophe, 37.
Diálogos semelhantes a esse se
repetem todas as noites no restaurante francês "Dans le Noir", localizado no número 51 da rua Quincampoix, próximo ao Centro
Georges Pompidou, em Paris. As
refeições servidas no local, no entanto, correspondem à normalidade de qualquer restaurante. A
diferença está no ambiente.
No "Dans le Noir", como diz em
francês o nome da casa ("no escuro"), os clientes comem numa sala imersa na total obscuridade.
Nenhuma fonte de luz é permitida no local. Mesmo os relógios de
pulso fluorescentes são retirados
dos clientes, para assegurar a
completa escuridão no momento
da refeição.
A iniciativa de criar o inusitado
restaurante é um projeto comum
da empresa Ethik Investment e da
associação Paul Guinot, dedicada
à defesa dos deficientes visuais e
que, esporadicamente, promove
jantares no escuro para divulgar
sua causa. O "Dans le Noir" é o
primeiro do gênero na França e o
terceiro na Europa -existem
dois outros estabelecimentos similares, em Zurique, na Suíça, e
em Berlim, na Alemanha.
Empregos
Um dos objetivos do empreendimento é o de alertar para a necessidade de se criar alternativas
de empregos para os cegos, estimados em número de 77 mil na
França (20 mil crianças e adolescentes e 57 mil adultos), de acordo
com dados do Ministério da Saúde. Todos os sete garçons e garçonetes da casa são cegos. E também
10% do lucro obtido é destinado à
associação Paul Guinot.
Contrariamente ao que ocorre
no dia-a-dia, no "Dans le Noir" as
pessoas dotadas de visão normal
são guiadas pelos deficientes visuais. Para entrar no restaurante,
o cliente pousa sua mão no ombro da garçonete. E assim em seqüência, formando-se uma fila indiana composta pelos integrantes
da mesa reservada.
Primeiro, o grupo passa por
duas antecâmaras de adaptação,
de luminosidade decrescente, até
adentrar na escuridão total da sala
principal. Uma vez instalado, basta aguardar o pedido, escolhido
antes no bar iluminado.
Cardápio
Pode-se optar entre o serviço à
la carte ou o "menu surpresa". No
segundo caso, a surpresa será total, pois só se poderá ter uma
idéia, talvez, do que se está comendo no momento de cada garfada. Para facilitar a logística, um
sistema de comunicação interno,
com aparelhos de escuta instalados nas orelhas, mantém em contato permanente a cozinha, os
garçons e a recepção.
Inaugurado em julho último, o
"Dans le Noir" foi obrigado a se
adaptar à legislação específica para receber o alvará de funcionamento. "Como não temos placas
luminosas de saída de emergência
dispostas na sala, tivemos de
montar um central elétrica autônoma no restaurante", contou à
Folha Edouard de Broglie, 41, um
dos sócios da Ethik.
Os copos utilizados também são
especiais, de vidro inquebrável.
Para alcançar os toaletes, os clientes devem solicitar a ajuda das
garçonetes, do contrário jamais
chegarão ao destino. Mas, em seu
interior, os banheiros, evidentemente, são iluminados.
Experiência pessoal
Além da sensibilização aos problemas cotidianos enfrentados
pelos cegos, a idéia é também proporcionar aos clientes uma experiência pessoal surpreendente.
"Ao comermos no escuro, nos
damos conta de como o sentido
da visão é dominante em nossa
sociedade. Aqui, as pessoas se
vêem obrigadas a ativar ao extremo sentidos como o paladar, o olfato, o tato e a audição", afirmou
Edouard de Broglie.
Uma das primeiras recomendações aos clientes, aliás, é a de conter a elevação do tom de voz uma
vez dentro da sala. "No escuro, as
pessoas tendem a falar mais alto,
por isso o teto da sala é constituído de material especial para absorver o som", explicou Alain
Mazoyer, 25, que é o gerente do
restaurante.
Stéphanie, 36, concorda: "Uma
pena o ruído. Preferia ouvir barulho de água, da natureza. Mas comi com as mãos, e achei formidável". Seu marido, Philippe, 39,
sem se dar conta, deixou a sala
com o guardanapo pendurado no
pescoço. "Adorei a experiência e
pretendo repeti-la. Mas só usei os
dedos no final, para ter certeza de
que não havia deixado nada no
prato", acrescentou.
Marc deu uma dica de astúcia:
"Na hora de servir o vinho, coloque o dedo na borda do copo, para que não transborde".
Poucos são os clientes que não
apreciam a curiosa experiência.
"Menos de 1% da nossa clientela
não suporta a escuridão total e pede para sair", afirmou Edouard de
Broglie. Como alternativa, há um
lounge, no qual os interessados
podem degustar o menu da casa
com todas as luzes acesas.
A garçonete Susana, 32, que se
tornou deficiente visual aos 15
anos, jamais se imaginaria, na sua
condição, servindo mesas num
restaurante. "É como se me dissessem que um dia iria pilotar um
avião", comparou, rindo. Mas depois de alguns dias de treinamento para se orientar no espaço da
sala, as dificuldades foram mínimas. "É como servir um grupo de
amigos em casa, só que aqui tem
muito mais gente", disse.
Intimidade
Uma das particularidades do
"Dans le Noir" é a relação dos freqüentadores com os empregados
do local. "Os clientes beijam e
abraçam as garçonetes na hora da
saída, o que não se vê em outros
restaurantes", conta o gerente
Alain Mazoyer.
A garçonete Susana confirma:
"Aqui, eles [os freqüentadores]
são muito pouco tímidos. O contato conosco é diferente. A intimidade é maior, e isso é bastante
compensador para nós".
Apesar do acelerado ritmo de
trabalho, provocado pelo sucesso
de público da casa, a garçonete
não perde o bom humor. Ao esbarrar em outra colega cega, à entrada da sala, disse, provocando
risos: "Desculpe, eu não te vi".
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