São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

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EUA não querem nova frente de tensão, dizem analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em meio à sua guerra ao terrorismo internacional, que foi dramaticamente reavivada no último sábado, quando mais de 180 pessoas morreram num atentado em Bali, na Indonésia, e ante sua intenção de atacar o Iraque para depor o ditador Saddam Hussein, os EUA não querem abrir uma nova frente de tensão geoestratégica -na Coréia do Norte-, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Para Charles Tilly, autor de "From Contention to Democracy" (da contenção à democracia), a reação da Casa Branca à revelação feita por James Kelly, secretário-assistente de Estado, de que Pyongyang havia admitido ter um programa clandestino de armas nucleares mostra que Washington deseja evitar uma disputa maior com um Estado que o presidente George W. Bush incluiu, ao lado do Iraque e do Irã, no que chamou de "eixo do mal".
"Se quisesse tratar a questão norte-coreana do mesmo modo como lida com a iraquiana, a atual administração jamais teria dito que o problema deveria ser resolvido pelas vias diplomáticas. É claro que, se for verdadeira, a descoberta é preocupante, pois há suspeitas de que Pyongyang já tenha vendido materiais e tecnologia nucleares a Estados como a Líbia e o Irã", analisou Tilly.
"Contudo o modo como a Casa Branca reagiu indica que o governo não crê que se trate de uma grande ameaça ou ao menos que ela seja iminente. Após a tragédia ocorrida em Bali, que serviu para lembrar aos dirigentes americanos que a guerra ao terrorismo é muito mais "complexa" do que depor Saddam, Washington não quer colocar a Coréia do Norte no mesmo nível que o Iraque."
De acordo com Michael O'Hanlon, do Instituto Brookings, a admissão das autoridades norte-coreanas pode ser interpretada de duas maneiras: ou o país pretende realmente engajar-se num processo de abrandamento da tensão geopolítica regional e mundial, revelando um de seus maiores segredos, ou trata-se de um retrocesso na lenta inserção da Coréia do Norte na cena internacional.
"É possível que Pyongyang pense que, em negociações futuras, terá maior poder de barganha admitindo ainda ter um programa nuclear, se é que ele realmente existe. Ademais, é possível que os norte-coreanos queiram resolver essa questão de uma vez por todas, abrindo caminho, assim, para a redução da tensão."
"Todavia também não podemos descartar a hipótese de que eles tenham sido pegos de surpresa quando Kelly lhes disse que tinha provas de que o programa nuclear clandestino existia. Se isso ocorreu, a revelação pode ter sido um modo de desafiar os EUA, o que acarretaria o agravamento da tensão", acrescentou.

Acordo de 1994
Se estiver bancando um programa de desenvolvimento de armas nucleares, Pyongyang estará violando um acordo assinado por americanos e norte-coreanos em 1994. Naquele ano, os norte-coreanos ameaçaram deixar o Tratado de Não-Proliferação, causando consternação na comunidade internacional e acelerando a concepção de um novo acordo.
"O problema é saber se Washington ainda pode confiar num Estado que mentiu sobre seu programa nuclear, privilegiando as vias diplomáticas, ou se a ala mais conservadora do atual governo adotará uma atitude de desconfiança, que deverá levar a uma piora das já complexas relações bilaterais", apontou O'Hanlon.
Segundo Tilly, qualquer análise deve levar em consideração o fato de que o fim do acordo de 1994 poderia provocar uma série de problemas -"que os esforços diplomáticos teriam muito mais dificuldade em resolver".
"O texto de 1994 é vago, o que atrasou bastante sua aplicação. Porém, se alguns materiais nucleares que se encontram armazenados na Coréia do Norte graças a esse acordo forem reutilizados, Pyongyang provavelmente venha a ter mais facilidade na construção de armas nucleares. A situação geoestratégica será mais grave se esse acordo for abandonado."


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