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EUA não querem nova frente de tensão, dizem analistas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Em meio à sua guerra ao terrorismo internacional, que foi dramaticamente reavivada no último
sábado, quando mais de 180 pessoas morreram num atentado em
Bali, na Indonésia, e ante sua intenção de atacar o Iraque para depor o ditador Saddam Hussein, os
EUA não querem abrir uma nova
frente de tensão geoestratégica
-na Coréia do Norte-, segundo
especialistas ouvidos pela Folha.
Para Charles Tilly, autor de
"From Contention to Democracy" (da contenção à democracia), a reação da Casa Branca à revelação feita por James Kelly, secretário-assistente de Estado, de
que Pyongyang havia admitido
ter um programa clandestino de
armas nucleares mostra que Washington deseja evitar uma disputa
maior com um Estado que o presidente George W. Bush incluiu,
ao lado do Iraque e do Irã, no que
chamou de "eixo do mal".
"Se quisesse tratar a questão
norte-coreana do mesmo modo
como lida com a iraquiana, a atual
administração jamais teria dito
que o problema deveria ser resolvido pelas vias diplomáticas. É
claro que, se for verdadeira, a descoberta é preocupante, pois há
suspeitas de que Pyongyang já tenha vendido materiais e tecnologia nucleares a Estados como a Líbia e o Irã", analisou Tilly.
"Contudo o modo como a Casa
Branca reagiu indica que o governo não crê que se trate de uma
grande ameaça ou ao menos que
ela seja iminente. Após a tragédia
ocorrida em Bali, que serviu para
lembrar aos dirigentes americanos que a guerra ao terrorismo é
muito mais "complexa" do que depor Saddam, Washington não
quer colocar a Coréia do Norte no
mesmo nível que o Iraque."
De acordo com Michael O'Hanlon, do Instituto Brookings, a
admissão das autoridades norte-coreanas pode ser interpretada de
duas maneiras: ou o país pretende
realmente engajar-se num processo de abrandamento da tensão
geopolítica regional e mundial,
revelando um de seus maiores segredos, ou trata-se de um retrocesso na lenta inserção da Coréia
do Norte na cena internacional.
"É possível que Pyongyang pense que, em negociações futuras,
terá maior poder de barganha admitindo ainda ter um programa
nuclear, se é que ele realmente
existe. Ademais, é possível que os
norte-coreanos queiram resolver
essa questão de uma vez por todas, abrindo caminho, assim, para a redução da tensão."
"Todavia também não podemos descartar a hipótese de que
eles tenham sido pegos de surpresa quando Kelly lhes disse que tinha provas de que o programa
nuclear clandestino existia. Se isso
ocorreu, a revelação pode ter sido
um modo de desafiar os EUA, o
que acarretaria o agravamento da
tensão", acrescentou.
Acordo de 1994
Se estiver bancando um programa de desenvolvimento de armas
nucleares, Pyongyang estará violando um acordo assinado por
americanos e norte-coreanos em
1994. Naquele ano, os norte-coreanos ameaçaram deixar o Tratado de Não-Proliferação, causando consternação na comunidade internacional e acelerando a concepção de um novo acordo.
"O problema é saber se Washington ainda pode confiar num
Estado que mentiu sobre seu programa nuclear, privilegiando as
vias diplomáticas, ou se a ala mais
conservadora do atual governo
adotará uma atitude de desconfiança, que deverá levar a uma
piora das já complexas relações
bilaterais", apontou O'Hanlon.
Segundo Tilly, qualquer análise
deve levar em consideração o fato
de que o fim do acordo de 1994
poderia provocar uma série de
problemas -"que os esforços diplomáticos teriam muito mais dificuldade em resolver".
"O texto de 1994 é vago, o que
atrasou bastante sua aplicação.
Porém, se alguns materiais nucleares que se encontram armazenados na Coréia do Norte graças a
esse acordo forem reutilizados,
Pyongyang provavelmente venha
a ter mais facilidade na construção de armas nucleares. A situação geoestratégica será mais grave
se esse acordo for abandonado."
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