São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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COMENTÁRIO
Na prática, Bush exerce poderes ditatoriais

WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"

Mal aconselhado por um secretário da Justiça frustrado e tomado por pânico, um presidente dos Estados Unidos acaba de adquirir o que na prática são poderes ditatoriais, que permitem prender ou executar estrangeiros.
Intimidados por terroristas e inflamados por uma paixão por justiça rudimentar, estão deixando George W. Bush substituir o Estado de Direito americano por cortes marciais fantoches.
Em sua infame ordem executiva de emergência da semana passada, Bush admite dispensar "os princípios da lei e as regras de evidência" que sustentam a Justiça dos EUA. Ele assume o poder de restringir as cortes e montar seus próprios "tribunais marciais" -grupos de oficiais que vão julgar não-cidadãos que o presidente precisa apenas dizer "ter razão para acreditar" que são membros de organizações terroristas.
Não satisfeito com sua decisão anterior de permitir que a polícia coloque uma escuta nas conversas entre um suspeito e seu advogado, Bush agora arranca do estrangeiro até os direitos limitados oferecidos pela corte marcial.
Suas cortes fantoches podem ocultar evidências em nome da segurança nacional, criar suas próprias regras, considerar um acusado culpado mesmo que um terço dos oficiais não concordem e executar o estrangeiro sem direito a revisão do processo por qualquer tribunal civil.
O braço judiciário e um júri independente não ficam mais entre o governo e o acusado. No lugar desses freios e contrapesos, centrais nesse sistema legal, não-cidadãos enfrentam um Poder Executivo que se tornou investigador, advogado de acusação, juiz, júri, carcereiro e carrasco. Em um toque orwelliano [referência ao escritor George Orwell, autor de 1984", a ordem executiva de Bush chama essa abominação em estilo soviético de "um julgamento completo e justo".
Em que base legal se sustenta esse César? Um precedente que a Casa Branca cita é a corte militar depois do assassinato de Lincoln. (Durante a Guerra Civil americana, Lincoln suspendeu o direito a habeas corpus; agora, a guerra contra o terror vai exigir aprisionamento ilegal?) Outro é o enforcamento, sentenciado por uma corte militar e aprovado pela Suprema Corte, de sabotadores alemães que chegaram aos EUA de submarino durante a Segunda Guerra Mundial.
Defensores das cortes fantoches de Bush dizem: "Você, tolerante com o terror, defensor dos procedimentos legais, sabe que há uma guerra ocorrendo? Você esqueceu as 5.000 pessoas mortas. Em uma emergência como essa, não são necessárias medidas de segurança extremas para salvar a vida de cidadãos? Se pisarmos nos pés de algumas pessoas, podemos pedir desculpas aos defensores dos direitos civis depois".
Esses são os argumentos dos falsos durões. Em um momento no qual até os liberais estão debatendo a ética da tortura de suspeitos -pesando o desgosto por barbarismo contra a necessidade de salvar vidas inocentes- é hora de iconoclastas conservadores e linha-duras de carteirinha defenderem os valores americanos.
Para lidar com uma emergência, é claro que algumas regras têm de ser afrouxadas. Uma rede de informações étnicas, juntando pessoas sem visto, ou o interrogatório de estudantes estrangeiros, no curto prazo, está no limite do tolerável.



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