São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2001

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Presidente dividiu o país para manter o poder

IAN FISHER
DO "THE NEW YORK TIMES", NO QUÊNIA

Laurent Kabila preferiria dividir o país a dividir o poder. Talvez haja Congo demais para ser repartido, e talvez seja essa uma das razões dos conflitos intermináveis que dilaceram o país.
Em menos de três anos sob o governo de Kabila, um país do tamanho da Europa ocidental transformou-se no campo de batalha de um conflito que vem sendo descrito como a "Primeira Guerra Mundial africana".
Desde 98, soldados de até nove países africanos já lutaram no Congo em um momento ou outro. Nesse processo, o coração da África tornou-se ainda mais caótico do que sob três décadas de governo falho do antecessor de Kabila, Mobutu Sese Seko.
Até 2 milhões de pessoas já foram deslocadas pela guerra, muitas delas quando os combates se intensificaram, nos últimos meses. Os massacres são frequentes, e a desnutrição é crônica. Os conflitos étnicos se multiplicam.
E a guerra dividiu o Congo pelo meio, com Kabila e seus aliados controlando o oeste e sul e os rebeldes e seus aliados dominando o norte e leste do país.
"A integridade territorial do Congo está ameaçada, e a mesma coisa acontecerá com a estabilidade de seus nove vizinhos, se o caos se mantiver como está", diz relatório do Grupo Internacional de Crises, organização de pesquisa e defesa de causas.
O governo de Mobutu acabou realçando até que ponto muitos da primeira geração de líderes africanos não conseguiram fugir do oportunismo dos colonialistas.
O comércio de diamantes, cobre e urânio fez dele um dos homens mais ricos do mundo. Mas seus excessos foram apenas uma parte da razão pela qual Kabila, um ex-combatente guerrilheiro e proprietário de boate, chegou ao poder em maio de 1997, poucos meses antes de Mobutu morrer no exílio, no Marrocos. A ascensão de Kabila se deveu à complicada política da região e, em especial, aos problemas do pequeno vizinho do ex-Zaire a leste, Ruanda.
Em 1994, hutus militantes massacraram pelo menos 500 mil tutsis em Ruanda e, depois disso, cerca de 1 milhão de hutus fugiram para o leste do Congo (que, na época, era conhecido como Zaire), enquanto rebeldes tutsis assumiam o controle de Ruanda.
Mas as milícias hutus continuaram seus ataques a Ruanda, desde suas bases no Zaire. Em busca de segurança em sua fronteira e de uma liderança zairense mais flexível e aberta a seus interesses, Ruanda apoiou, em segredo, uma revolta de oficiais tutsis insatisfeitos no Exército de Mobutu, com a ajuda de Uganda e Angola.
Kabila foi nomeado líder da rebelião, que capturou Kinshasa. Ele mudou o nome do país de Zaire para República Democrática do Congo, outra vez, e prometeu democracia. Mas parece ter percebido que não conseguiria governar o país agindo apenas como instrumento de Ruanda e Uganda, e, assim, seus aliados foram transformados em inimigos.
Kabila foi salvo da reação por soldados de Angola, Zimbábue e Namíbia. Cada país tinha suas razões próprias para ajudar Kabila, entre elas o desejo de abocanhar parte dos diamantes, do petróleo ou das férteis terras do Congo.
À medida que a guerra foi avançando -e, na maior parte, se atolando em impasses-, as complexidades dela foram se multiplicando geometricamente.
O grupo rebelde original -Reunião Congolesa pela Democracia- se dividiu em dois, com Ruanda apoiando um lado e Uganda, o outro. A seguir, Ruanda e Uganda passaram a enfrentar-se no território do Congo.
Um terceiro grupo rebelde, apoiado por Uganda, surgiu na cidade que era de Mobutu, Gbadolite. E, ao mesmo tempo em que tudo isso fervilha, uma guerra étnica vem sendo travada no leste do Congo.


Tradução de Clara Allain


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