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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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Brasil já exercia liderança, diz ex-chanceler de FHC

DA REDAÇÃO

O ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia (1995-2000) elogia a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de levar o Brasil a assumir um papel de liderança na América do Sul, mas diz que não há mudança profunda em relação ao que foi feito na última década.
"Liderança é uma coisa que se pratica, não que se proclama. É uma ação continuada, consistente. O Brasil tem tudo para ter um papel de destaque. O que eu não reconheço é uma ruptura, uma modificação profunda", afirma.
Lampreia, 61, esteve à frente do Itamaraty durante seis anos do governo FHC e foi o ministro que mais tempo ficou no cargo desde 1945. (OTÁVIO DIAS)

Folha - O presidente Lula disse que o Brasil precisa "assumir sua grandeza" e liderar o processo de integração da América do Sul. Qual a sua opinião sobre isso?
Luiz Felipe Lampreia -
É uma afirmação correta, mas não é nova. Há pelo menos dez anos que o Brasil vem assumindo esse papel.

Folha - Qual é a diferença entre a política externa que está sendo esboçada e a que foi implementada em sua gestão e no governo FHC?
Lampreia -
As ênfases principais são as prioridades naturais do Brasil: o bom relacionamento com os vizinhos, a promoção do Mercosul, um relacionamento correto com os Estados Unidos e a União Européia, uma presença forte na Organização das Nações Unidas, a prevalência do multilateralismo. Há matizes e um estilo próprio de cada governo, mas os parâmetros são esses.

Folha - Em política muitas vezes a percepção conta mais do que os fatos. Está ocorrendo uma mudança?
Lampreia -
O que o presidente Lula está propondo é uma afirmação mais explícita, mais enfática dessa liderança. Acredito que haja espaço para isso, pois o Brasil está dando um exemplo de democracia e de transição do poder.

Folha - Se há espaço, por que isso não foi feito no governo FHC?
Lampreia -
O Brasil nunca proclamou sua liderança de uma maneira categórica e explícita porque, por ser muito grande e ter o peso que tem, é visto como um líder natural. Mas também é, historicamente, objeto de dúvidas e de questionamentos, que vêm de um passado distante, do fato de termos sido um império, de falarmos português. O Brasil é um país diferenciado, embora tenha grande identidade com a região.

Folha - E o que mudou agora?
Lampreia -
Acho que o que o presidente está fazendo deriva do fato de que ele está credenciado por uma vitória extraordinária nas urnas. É um governante que se sente extremamente confiante.

Folha - Esse respaldo FHC também teve.
Lampreia -
Sem dúvida, mas eu não estou falando do Fernando Henrique e sim do Lula.

Folha - O sr. foi um ministro das Relações Exteriores forte durante seis anos do governo FHC. É importante que o sr. dê sua opinião quando o novo governo diz que vai mudar a política externa.
Lampreia -
Liderança é uma coisa que se pratica, não que se proclama. É uma ação continuada, consistente. O Brasil tem tudo para ter um papel de destaque. O que eu não reconheço é uma ruptura, uma modificação profunda.

Folha - Que riscos ou resistências podem surgir?
Lampreia -
As resistências à integração existem há algum tempo. Num certo momento, para decepção nossa, o Chile, em lugar de se aproximar do Mercosul, optou por fazer um acordo bilateral com os Estados Unidos. Também houve resistência por parte do Pacto Andino [grupo formado por Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Peru" a celebrar um acordo de associação com o Mercosul, que foi algo que tentamos durante os oito anos do governo FHC.

Folha - Ao adotar postura mais agressiva na defesa dos interesses da América do Sul, o Brasil entra em rota de colisão com os EUA?
Lampreia -
Não necessariamente. Pode haver diferenças, especialmente em questões comerciais. Durante o governo Fernando Henrique, tivemos várias divergências. Mas uma política de integração não significa rota de colisão porque não é uma política antiamericana, mas a favor de nossos países. E isso é legítimo.

Folha - Há praticamente um consenso hoje de que o Brasil tem o melhor diplomata que poderia ter à frente do Itamaraty. Por que o presidente precisa de um assessor internacional forte como Marco Aurélio Garcia?
Lampreia -
O ministro Celso Amorim é um profissional de altíssima qualificação. Mas o Marco Aurélio Garcia é assessor e amigo do presidente há 20 anos. Acho natural que ele o mantenha próximo de si. Assim como acho oportuno que tenha posto um diplomata à frente do Itamaraty. Tenho certeza de que eles vão encontrar seus nichos respectivos de atuação e saberão se equilibrar.


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