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Brasil já exercia liderança, diz ex-chanceler de FHC
DA REDAÇÃO
O ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia
(1995-2000) elogia a proposta do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva de levar o Brasil a assumir um
papel de liderança na América do
Sul, mas diz que não há mudança
profunda em relação ao que foi
feito na última década.
"Liderança é uma coisa que se
pratica, não que se proclama. É
uma ação continuada, consistente. O Brasil tem tudo para ter um
papel de destaque. O que eu não
reconheço é uma ruptura, uma
modificação profunda", afirma.
Lampreia, 61, esteve à frente do
Itamaraty durante seis anos do
governo FHC e foi o ministro que
mais tempo ficou no cargo desde
1945.
(OTÁVIO DIAS)
Folha - O presidente Lula disse
que o Brasil precisa "assumir sua
grandeza" e liderar o processo de
integração da América do Sul. Qual
a sua opinião sobre isso?
Luiz Felipe Lampreia - É uma
afirmação correta, mas não é nova. Há pelo menos dez anos que o
Brasil vem assumindo esse papel.
Folha - Qual é a diferença entre a
política externa que está sendo esboçada e a que foi implementada
em sua gestão e no governo FHC?
Lampreia - As ênfases principais
são as prioridades naturais do
Brasil: o bom relacionamento
com os vizinhos, a promoção do
Mercosul, um relacionamento
correto com os Estados Unidos e
a União Européia, uma presença
forte na Organização das Nações
Unidas, a prevalência do multilateralismo. Há matizes e um estilo
próprio de cada governo, mas os
parâmetros são esses.
Folha - Em política muitas vezes a
percepção conta mais do que os fatos. Está ocorrendo uma mudança?
Lampreia - O que o presidente
Lula está propondo é uma afirmação mais explícita, mais enfática
dessa liderança. Acredito que haja
espaço para isso, pois o Brasil está
dando um exemplo de democracia e de transição do poder.
Folha - Se há espaço, por que isso
não foi feito no governo FHC?
Lampreia - O Brasil nunca proclamou sua liderança de uma maneira categórica e explícita porque, por ser muito grande e ter o
peso que tem, é visto como um líder natural. Mas também é, historicamente, objeto de dúvidas e de
questionamentos, que vêm de um
passado distante, do fato de termos sido um império, de falarmos português. O Brasil é um país
diferenciado, embora tenha grande identidade com a região.
Folha - E o que mudou agora?
Lampreia - Acho que o que o
presidente está fazendo deriva do
fato de que ele está credenciado
por uma vitória extraordinária
nas urnas. É um governante que
se sente extremamente confiante.
Folha - Esse respaldo FHC também teve.
Lampreia - Sem dúvida, mas eu
não estou falando do Fernando
Henrique e sim do Lula.
Folha - O sr. foi um ministro das
Relações Exteriores forte durante
seis anos do governo FHC. É importante que o sr. dê sua opinião
quando o novo governo diz que vai
mudar a política externa.
Lampreia - Liderança é uma coisa que se pratica, não que se proclama. É uma ação continuada,
consistente. O Brasil tem tudo para ter um papel de destaque. O
que eu não reconheço é uma ruptura, uma modificação profunda.
Folha - Que riscos ou resistências
podem surgir?
Lampreia - As resistências à integração existem há algum tempo.
Num certo momento, para decepção nossa, o Chile, em lugar de
se aproximar do Mercosul, optou
por fazer um acordo bilateral com
os Estados Unidos. Também houve resistência por parte do Pacto
Andino [grupo formado por Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Peru" a celebrar um acordo
de associação com o Mercosul,
que foi algo que tentamos durante
os oito anos do governo FHC.
Folha - Ao adotar postura mais
agressiva na defesa dos interesses
da América do Sul, o Brasil entra
em rota de colisão com os EUA?
Lampreia - Não necessariamente. Pode haver diferenças, especialmente em questões comerciais. Durante o governo Fernando Henrique, tivemos várias divergências. Mas uma política de
integração não significa rota de
colisão porque não é uma política
antiamericana, mas a favor de
nossos países. E isso é legítimo.
Folha - Há praticamente um consenso hoje de que o Brasil tem o
melhor diplomata que poderia ter
à frente do Itamaraty. Por que o
presidente precisa de um assessor
internacional forte como Marco
Aurélio Garcia?
Lampreia - O ministro Celso
Amorim é um profissional de altíssima qualificação. Mas o Marco
Aurélio Garcia é assessor e amigo
do presidente há 20 anos. Acho
natural que ele o mantenha próximo de si. Assim como acho oportuno que tenha posto um diplomata à frente do Itamaraty. Tenho certeza de que eles vão encontrar seus nichos respectivos de
atuação e saberão se equilibrar.
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