UOL


São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÁFRICA DO SUL

Ativistas com Aids recusam tratamento para forçar o governo a distribuir medicamentos de graça no sistema público

Soropositivos fazem "greve de remédio"

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

Desde 1998, dois dos principais ativistas da luta contra a Aids na África do Sul tomaram uma decisão radical: portadores do HIV, recusam-se a tomar remédios que prolongariam suas vidas enquanto o governo sul-africano não oferecer tratamento gratuito a toda a população necessitada.
"Se o governo não oferecer tratamento a todas as pessoas que vivem com o HIV neste país, estou disposto a morrer", disse à Folha Lucky Mazibuko, 33, responsável por ações contra a Aids da Fundação Nelson Mandela.
"Luto por uma sociedade na qual todos vivam com liberdade e dignidade. A dignidade e a própria vida estão sendo negadas aos sul-africanos portadores do HIV que não podem custear o tratamento", afirmou Zackie Achmat, 40, presidente da campanha Ação pelo Tratamento, que desde 1998 pressiona o governo a fornecer tratamento gratuito contra a Aids.
A África do Sul, com 42 milhões de habitantes, tem 4,7 milhões de soropositivos e doentes de Aids, o maior número num único país. Apesar da séria ameaça que a epidemia representa, o governo do presidente Thabo Mbeki, do Congresso Nacional Africano (antigo movimento contra o apartheid, no poder desde 1994), ainda não fornece tratamento no sistema público de saúde. A terapia só pode ser obtida por meio de seguros de saúde privados ou quando é paga pelo paciente.
Mbeki tem sido muito criticado pela relativização do impacto da contaminação pelo HIV na África, onde vivem 70% dos infectados no mundo. Ele costuma dizer que a epidemia de Aids é grave, mas há outros problemas tão urgentes quanto, como a pobreza, a fome, a violência e a tuberculose.
Segundo ativistas, ele teria negado que o HIV seria causador da Aids. Mbeki nega ter feito essa declaração. O fato é que, desde 1999, quando ele sucedeu a Nelson Mandela na Presidência, o governo tem postergado a tomada de decisão sobre o tratamento gratuito de pacientes com Aids.
"O governo tem dado uma série de desculpas, mas o tratamento é um direito constitucional", afirma Mazibuko, que descobriu ser soropositivo há cinco anos. Ao rejeitar o tratamento, embora possa custeá-lo, ele apressa o declínio de sua saúde: "No ano passado, fui ao médico oito vezes, o que não tinha acontecido antes. Mas espiritualmente estou bem".
Já Zackie Achmat, soropositivo desde 1990, está com seu sistema imunológico tão debilitado que, segundo seu médico, entrará num estágio irreversível se não iniciar já o tratamento anti-retroviral (que combate o HIV e a Aids).
Em 1998, quando o médico sugeriu o início do tratamento, os remédios custavam cerca de R$ 1.800 por mês, e seu salário era de R$ 1.600. Amigos ofereceram ajuda, mas ele a recusou por dois motivos. O primeiro foi a decisão de lutar pelo tratamento gratuito para todos. "O segundo foi mais pessoal. Se meus irmãos fossem portadores, não teriam amigos ricos para ajudá-los."
Achmat iniciou, junto com outros ativistas, a Ação pelo Tratamento, hoje o principal movimento de pressão no combate à Aids do país. O grupo já desafiou o governo ao importar ilegalmente genéricos brasileiros para um projeto piloto de tratamento da Aids na Cidade do Cabo.
E conseguiu que a Suprema Corte mandasse o governo distribuir gratuitamente a mulheres grávidas portadoras do HIV um remédio que reduz em 50% a chance de elas transmitirem o vírus a seus bebês.
O próximo passo será uma campanha de desobediência civil. O objetivo é realizar ações não-violentas, mas que forcem a polícia a prender portadores de HIV e ativistas. Uma das ações em estudo é a invasão de prédios do governo. "Demos um prazo até o final de fevereiro para o governo adotar um plano nacional de tratamento da Aids. Se isso não acontecer, vamos criar situações muito embaraçosas para o governo sul-africano", afirmou Nathan Geffen, 31, um dos líderes da Ação pelo Tratamento.


Texto Anterior: Artigo: Política externa de Lula segue a cartilha de Rio Branco
Próximo Texto: Governo diz não ter recursos suficientes
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.