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ÁFRICA DO SUL
Ativistas com Aids recusam tratamento para forçar o governo a distribuir medicamentos de graça no sistema público
Soropositivos fazem "greve de remédio"
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
Desde 1998, dois dos principais
ativistas da luta contra a Aids na
África do Sul tomaram uma decisão radical: portadores do HIV,
recusam-se a tomar remédios que
prolongariam suas vidas enquanto o governo sul-africano não oferecer tratamento gratuito a toda a
população necessitada.
"Se o governo não oferecer tratamento a todas as pessoas que vivem com o HIV neste país, estou
disposto a morrer", disse à Folha
Lucky Mazibuko, 33, responsável
por ações contra a Aids da Fundação Nelson Mandela.
"Luto por uma sociedade na
qual todos vivam com liberdade e
dignidade. A dignidade e a própria vida estão sendo negadas aos
sul-africanos portadores do HIV
que não podem custear o tratamento", afirmou Zackie Achmat,
40, presidente da campanha Ação
pelo Tratamento, que desde 1998
pressiona o governo a fornecer
tratamento gratuito contra a Aids.
A África do Sul, com 42 milhões
de habitantes, tem 4,7 milhões de
soropositivos e doentes de Aids, o
maior número num único país.
Apesar da séria ameaça que a epidemia representa, o governo do
presidente Thabo Mbeki, do Congresso Nacional Africano (antigo
movimento contra o apartheid,
no poder desde 1994), ainda não
fornece tratamento no sistema
público de saúde. A terapia só pode ser obtida por meio de seguros
de saúde privados ou quando é
paga pelo paciente.
Mbeki tem sido muito criticado
pela relativização do impacto da
contaminação pelo HIV na África, onde vivem 70% dos infectados no mundo. Ele costuma dizer
que a epidemia de Aids é grave,
mas há outros problemas tão urgentes quanto, como a pobreza, a
fome, a violência e a tuberculose.
Segundo ativistas, ele teria negado que o HIV seria causador da
Aids. Mbeki nega ter feito essa declaração. O fato é que, desde 1999,
quando ele sucedeu a Nelson
Mandela na Presidência, o governo tem postergado a tomada de
decisão sobre o tratamento gratuito de pacientes com Aids.
"O governo tem dado uma série
de desculpas, mas o tratamento é
um direito constitucional", afirma Mazibuko, que descobriu ser
soropositivo há cinco anos. Ao rejeitar o tratamento, embora possa
custeá-lo, ele apressa o declínio de
sua saúde: "No ano passado, fui
ao médico oito vezes, o que não tinha acontecido antes. Mas espiritualmente estou bem".
Já Zackie Achmat, soropositivo
desde 1990, está com seu sistema
imunológico tão debilitado que,
segundo seu médico, entrará num
estágio irreversível se não iniciar
já o tratamento anti-retroviral
(que combate o HIV e a Aids).
Em 1998, quando o médico sugeriu o início do tratamento, os
remédios custavam cerca de R$
1.800 por mês, e seu salário era de
R$ 1.600. Amigos ofereceram ajuda, mas ele a recusou por dois
motivos. O primeiro foi a decisão
de lutar pelo tratamento gratuito
para todos. "O segundo foi mais
pessoal. Se meus irmãos fossem
portadores, não teriam amigos ricos para ajudá-los."
Achmat iniciou, junto com outros ativistas, a Ação pelo Tratamento, hoje o principal movimento de pressão no combate à
Aids do país. O grupo já desafiou
o governo ao importar ilegalmente genéricos brasileiros para um
projeto piloto de tratamento da
Aids na Cidade do Cabo.
E conseguiu que a Suprema
Corte mandasse o governo distribuir gratuitamente a mulheres
grávidas portadoras do HIV um
remédio que reduz em 50% a
chance de elas transmitirem o vírus a seus bebês.
O próximo passo será uma
campanha de desobediência civil.
O objetivo é realizar ações não-violentas, mas que forcem a polícia a prender portadores de HIV e
ativistas. Uma das ações em estudo é a invasão de prédios do governo. "Demos um prazo até o final de fevereiro para o governo
adotar um plano nacional de tratamento da Aids. Se isso não
acontecer, vamos criar situações
muito embaraçosas para o governo sul-africano", afirmou Nathan
Geffen, 31, um dos líderes da Ação
pelo Tratamento.
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