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COMENTÁRIO
Saddam Hussein é a melhor razão para que se liberte o Iraque
JOHANN HARI
DO "THE INDEPENDENT"
Por que precisamos de provas
da existência de uma reserva de
antraz ou gás sarin para nos convencermos de que Saddam Hussein, o açougueiro de Bagdá,
aquele que matou curdos com gases venenosos, merece ser tirado
do poder? Hans Blix e sua equipe
de inspetores da ONU divulgaram um relatório provisório no
dia 9 em Nova York. Eles não encontraram armas de destruição
em massa (ADM); logo, parece
que a guerra não acontecerá agora. Por que esse fato leva tantos de
nós, da esquerda, a relaxar? O que
foi feito da esquerda que afirmava
que tínhamos a responsabilidade
moral de defender nossos irmãos
humanos contra ditadores fascistas? Quando empreendemos a
procura pelas ADM e aceitamos a
derrubada de Saddam por essas
razões, cometemos um engano
crucial.
Você talvez esteja perguntando,
incrédulo, quem é que pode querer ver seu país bombardeado? Eu
também pensava assim, até que,
em outubro, passei um mês vendo de perto a realidade sob a égide
de Saddam. São os pequenos detalhes que permanecem na memória, após três meses. É a expressão pálida, apática, que recobria o rosto das pessoas quando
eu mencionava Saddam. É o fato
de os árabes dos pântanos -um
povo orgulhoso e independente
que viu os pântanos que sempre
habitou serem drenados e que foi
transferido para minúsculas barracas no deserto- serem forçados a pendurar um pequeno quadro de Saddam, ameaçador, em
seus novos "lares". É a criança
vestindo uma camiseta que diz
"Sim, sim, sim ao papai Saddam".
Se o Reino Unido fosse governado por um homem assim, eu receberia bombas amigas (conceito
que, no passado, eu achava absurdo) de braços abertos. Poderia arriscar a própria vida para acabar
com a morte em vida imposta a
meu país. A maioria dos iraquianos que conheci sentia isso.
O Grupo Internacional de Crise
(GIC), centro de reflexão sediado
em Bruxelas e que não é, de modo
algum, favorável à guerra, fez entrevistas extensas com a população iraquiana no ano passado, e,
como diz seu relatório, "um número significativo dos entrevistados expressou, com franqueza
surpreendente, a opinião de que,
se for preciso um ataque liderado
pelos EUA para garantir uma mudança de regime, estarão a favor".
"A idéia de deixar o destino do
país nas mãos de uma parte estrangeira onipotente agrada a
mais gente do que se poderia prever, e o desejo de um envolvimento de longo prazo dos EUA também é maior do que o previsto."
Mas o apoio à guerra se vincula
a algumas condições importantes.
Os iraquianos esperam que os
EUA ajudem a reconstruir seu
país após a guerra. É em favor
dessa proposta que deveríamos
estar promovendo passeatas nas
ruas -não para nos opormos a
uma guerra que vai tirar do poder
um dos piores ditadores do mundo, mas para obter de Blair e Bush
a garantia de que, após o conflito,
vamos permanecer por lá e ajudar
o povo iraquiano a erguer um Iraque pacífico, federal e democrático. Aqueles que desprezam essa
possibilidade, ou devido à idéia
racista de que os árabes são incapazes de criar uma democracia ou
em razão de uma visão cínica, supostamente moderna, do progresso político, deveriam lembrar
que seu desprezo poderia igualmente bem ter sido dirigido ao Japão ou à Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial.
Os japoneses não tinham nenhuma história anterior de democracia e liberdade, e os alemães tinham só memórias da desastrosa República de Weimar,
mas a ocupação americana nos
dois países supervisionou sua
transformação em democracias
bem-sucedidas. Justificam-se esperanças maiores para o Iraque
porque sua população tem alto
nível de instrução, o país possui
uma infra-estrutura desenvolvida
e porque será moralmente obsceno se os lucros das imensas reservas petrolíferas não forem investidos na reconstrução do país.
Como explica o relatório do
GIC, "para a população iraquiana,
que, desde 1980, já passou por um
conflito devastador com o Irã, a
operação Tempestade no Deserto, as sanções econômicas, o isolamento internacional e os periódicos ataques aéreos americanos e
britânicos, um estado de guerra é
algo que já existe há duas décadas". Que ninguém imagine que,
se deixarmos de agir, a população
iraquiana será deixada em paz
-muito pelo contrário. Podemos
agir para abreviar seu sofrimento.
Tampouco podemos criticar esta guerra dizendo que se trata de
uma ""aventura imperial". A população iraquiana já está vivendo
sob uma ocupação imperial. Os
80% da população formados por
muçulmanos xiitas vivem sob a
égide imperialista da minoria sunita, com quem não sentem nenhuma identidade comum.
Se seu ódio por Bush supera o
que sente por Saddam, eu me solidarizo com você -é por isso que
eu também, antes, enxergava a
guerra com medo e desdém. Mas
desconfio que, se você se visse
frente a frente a realidade do Iraque de Saddam, mudaria de opinião. Claro que formar uma aliança com Bush é uma experiência
desagradável, mas nos aliamos a
Stálin para derrotar Hitler.
Não precisamos dos argumentos de Bush sobre "ação preventiva" nem das ADM para justificar
a guerra. Precisamos apenas dos
argumentos humanitários que
usamos em Kosovo para tirar do
poder o monstruoso Slobodan
Milosevic -e, desta vez, poderemos agir com a certeza (em vez de
apenas a suposição) de que a população que está sendo tiranizada
vai aplaudir a ação.
Tradução de Clara Allain
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