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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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REINO UNIDO

Corpo pode ser de David Kelly, conselheiro do Ministério da Defesa, suspeito de ter falado à BBC sobre dossiê iraquiano

Cadáver agrava a crise do governo Blair

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Um corpo encontrado ontem pela polícia britânica em um bosque perto da pequena cidade de Southmoor, a 30 quilômetros de Oxford, provocou uma crise no governo do primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair.
A identificação formal do corpo e o anúncio da causa da morte só serão feitas hoje, mas a polícia comunicou que a descrição do cadáver combina com a de David Kelly, respeitado especialista em armas de destruição em massa e conselheiro do Ministério da Defesa britânico.
Kelly foi apontado pelo ministério como a possível fonte da reportagem da rede BBC que levantou suspeitas de que o governo teria dado uma dimensão exagerada a informações dos serviços de inteligência incluídas num dossiê sobre armas do Iraque.
Kelly saiu para caminhar na quinta-feira à noite, não voltou, e a família comunicou o seu desaparecimento à polícia. Às 9h20 de ontem (5h20 em Brasília), uma equipe de buscas da polícia encontrou um corpo com o rosto voltado para a terra, com características semelhantes às do cientista, a pouco mais de sete quilômetros da casa dele.
A polícia está tratando do caso como "uma morte não explicada" e só hoje vai chamar a família para a identificação do cadáver. O governo britânico prometeu fazer uma investigação independente, se for confirmado que o corpo é mesmo de Kelly.
Na terça-feira passada, o cientista, de 59 anos, tinha prestado depoimento no Comitê de Assuntos Estrangeiros da Câmara dos Comuns (Câmara Baixa do Parlamento), que investiga a controvérsia entre a BBC e o governo.
Ele negou ser a principal fonte da reportagem, embora tenha admitido que se encontrara com o repórter Andrew Gilligan, da rede de rádio e televisão, antes da divulgação da reportagem. A BBC não confirmou, mas também não negou, que a fonte do repórter tenha sido Kelly.
Ele estava deprimido. O presidente do Comitê de Assuntos Estrangeiros, o trabalhista Donald Anderson, negou ontem que os parlamentares tenham sido duros demais no inquérito.
O jornal britânico "Independent" cita fontes do governo para dizer que o cientista se sentia "traído" e que ele considerava que o Ministério da Defesa tinha quebrado o acordo de que seu nome não seria revelado. Ontem, o ministério afirmou que, em nenhum momento, Kelly fora ameaçado de suspensão ou demissão.
Blair está no Japão, e Adam Boulton, editor de política da rede de TV Sky, que acompanha a visita oficial, disse que os assessores do gabinete do primeiro-ministro ficaram "visivelmente chocados e abalados" com a notícia de que Kelly estava desaparecido. "Se o corpo for de Kelly, assistiremos a uma crise no governo", disse Boulton. Blair ainda vai à Coréia do Sul e à China, incluindo Hong Kong, em seu giro pela Ásia.
A morte de Kelly tem imensas repercussões políticas, e aumenta as pressões para um inquérito judicial independente sobre todo o caso, para investigar tudo sobre o dossiê do governo britânico e as armas de destruição em massa.
No Parlamento, havia rumores de que a tragédia pudesse acelerar a saída de Alistair Campbell, o todo-poderoso diretor de comunicações do governo Blair, ou provocar a demissão do ministro da Defesa, Geoff Hoon. Campbell foi apontado pelo jornalista da BBC como o responsável pelos exageros, em artigo publicado pelo jornal "Mail on Sunday". E a BBC estava enfrentando acusações de que, se tivesse negado ser Kelly sua fonte, ele ainda estaria vivo (se o corpo encontrado for dele).
O jornalista prestou o primeiro depoimento no comitê em 19 de junho, confirmando a reportagem. Na semana seguinte, Campbell depôs no mesmo comitê, negou que tivesse "maquiado" o dossiê e exigiu um pedido de desculpas da BBC. A rede manteve até agora seu apoio ao jornalista e à versão dele da reportagem e se negou a pedir desculpas.
O comitê divulgou seu relatório no dia 7 de julho, eximindo de culpa o diretor de comunicações de Blair, numa decisão que teve o voto de minerva de seu presidente, Donald Anderson, do Partido Trabalhista. Ele disse, no entanto, que foi dada "proeminência indevida" a algumas informações.
No dia seguinte, o ministério disse que Kelly se apresentara para dizer que tinha se encontrado com o jornalista, e o comitê reabriu as investigações. Na quinta-feira, o repórter da BBC prestou novo depoimento no Parlamento e foi acusado de ter mudado sua versão sobre a reportagem.
A BBC negou qualquer mudança e manteve seu apoio ao jornalista. Ontem, Kelly saiu dizendo que ia caminhar e não voltou. Seu desaparecimento e o cadáver perto da casa dele fazem parte do capítulo mais recente do caso, que tem mantido o tema das supostas armas de destruição em massa do Iraque nas manchetes dos jornais.


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