São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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ONU se fecha, um ano após a morte de Vieira de Mello

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Um ano depois do atentado à sede da ONU no Iraque que matou 22 pessoas, incluindo o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante especial da entidade no país, a organização tornou-se menos acessível aos iraquianos e enfrenta o dilema de ter de distanciar-se da população local em outras áreas de conflito.
O diagnóstico é partilhado pela subsecretária-geral das Nações Unidas, Louise Fréchette, e pelo diretor de jornalismo da organização, Ahmed Fawzi -que trabalhou como porta-voz de Vieira de Mello. Para Fawzi, a nova realidade, motivada pelas preocupações de segurança, afeta o cerne do trabalho humanitário da organização, que pressupõe "portas abertas".
A nova missão da ONU no Iraque localiza-se na região fortemente guardada por militares da coalizão -Zona Verde-, em que também estão as embaixadas dos EUA e do Reino Unido.
"O que mudou é que nossas preocupações com segurança, não só no Iraque, mas em todo o mundo -em áreas de conflito ou pós-conflito-, tiveram de ser repensadas", diz Fawzi.
"A ONU não é a ONU se não tiver portas abertas e se não pudermos circular entre as pessoas para as quais trabalhamos. Isso é extremamente importante. Mas o que aconteceu foi uma mudança radical na maneira como somos vistos e como nos vemos. Tornamo-nos um alvo direto do terrorismo. Em 59 anos de existência, isso nunca tinha acontecido."
A questão será abordada hoje no discurso que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, fará em Genebra, durante a cerimônia pelo aniversário do ataque com a betoneira-bomba. Cerca de 80 parentes dos mortos no atentado estarão presentes, aí incluídos familiares de Vieira de Mello.
O ministro Gilberto Gil (Cultura) fará um show para os participantes, após ser saudado por Annan como uma das principais lideranças mundiais pela paz.
A subsecretária-geral da ONU, Louise Fréchette, afirma que mudou o modo como a organização age. Mas diz também que é preciso equilibrar as preocupações de segurança com a identidade das Nações Unidas.
"Somos a organização que representa e pertence ao mundo. Se as pessoas que queremos ajudar nos vêem como distantes e inacessíveis, então a percepção que terão da ONU será outra."
Ela acrescenta que "a atitude, a maneira de resolver problemas" da organização continua a mesma. "Isso não mudou. O que mudou foi apenas a dimensão física, não a nossa filosofia."
O diplomata Frederico Duque Estrada, ministro conselheiro da missão brasileira na ONU, lembra que Vieira de Mello, de quem era amigo, preocupava-se com a necessidade de a organização ser aberta à população iraquiana.
"As pessoas tinham de ir lá para denunciar pessoas, dizer que foi torturado, falar sobre violações dos direitos humanos, tentar contar. Você não podia aparecer para a população como se estivesse se protegendo dela", diz.
Em abril deste ano, as Nações Unidas divulgaram relatório em que responsabilizavam os próprios representantes da organização no Iraque pelas falhas de segurança. "Pareciam estar cegos pela convicção de que os funcionários e as instalações da ONU não seriam alvos de ataques", diz o texto, para em seguida afirmar que o próprio Vieira de Mello partilhava da "convicção".
Questionada à época, no entanto, a ONU negou que tivesse responsabilizado de qualquer forma o brasileiro por falhas que tenham permitido o atentado.



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