|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ONU se fecha, um ano após a morte de Vieira de Mello
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Um ano depois do atentado à
sede da ONU no Iraque que matou 22 pessoas, incluindo o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante especial da entidade
no país, a organização tornou-se
menos acessível aos iraquianos e
enfrenta o dilema de ter de distanciar-se da população local em outras áreas de conflito.
O diagnóstico é partilhado pela
subsecretária-geral das Nações
Unidas, Louise Fréchette, e pelo
diretor de jornalismo da organização, Ahmed Fawzi -que trabalhou como porta-voz de Vieira de
Mello. Para Fawzi, a nova realidade, motivada pelas preocupações
de segurança, afeta o cerne do trabalho humanitário da organização, que pressupõe "portas abertas".
A nova missão da ONU no Iraque localiza-se na região fortemente guardada por militares da
coalizão -Zona Verde-, em
que também estão as embaixadas
dos EUA e do Reino Unido.
"O que mudou é que nossas
preocupações com segurança,
não só no Iraque, mas em todo o
mundo -em áreas de conflito ou
pós-conflito-, tiveram de ser repensadas", diz Fawzi.
"A ONU não é a ONU se não tiver portas abertas e se não pudermos circular entre as pessoas para
as quais trabalhamos. Isso é extremamente importante. Mas o que
aconteceu foi uma mudança radical na maneira como somos vistos
e como nos vemos. Tornamo-nos
um alvo direto do terrorismo. Em
59 anos de existência, isso nunca
tinha acontecido."
A questão será abordada hoje
no discurso que o secretário-geral
das Nações Unidas, Kofi Annan,
fará em Genebra, durante a cerimônia pelo aniversário do ataque
com a betoneira-bomba. Cerca de
80 parentes dos mortos no atentado estarão presentes, aí incluídos
familiares de Vieira de Mello.
O ministro Gilberto Gil (Cultura) fará um show para os participantes, após ser saudado por Annan como uma das principais lideranças mundiais pela paz.
A subsecretária-geral da ONU,
Louise Fréchette, afirma que mudou o modo como a organização
age. Mas diz também que é preciso equilibrar as preocupações de
segurança com a identidade das
Nações Unidas.
"Somos a organização que representa e pertence ao mundo. Se
as pessoas que queremos ajudar
nos vêem como distantes e inacessíveis, então a percepção que
terão da ONU será outra."
Ela acrescenta que "a atitude, a
maneira de resolver problemas"
da organização continua a mesma. "Isso não mudou. O que mudou foi apenas a dimensão física,
não a nossa filosofia."
O diplomata Frederico Duque
Estrada, ministro conselheiro da
missão brasileira na ONU, lembra
que Vieira de Mello, de quem era
amigo, preocupava-se com a necessidade de a organização ser
aberta à população iraquiana.
"As pessoas tinham de ir lá para
denunciar pessoas, dizer que foi
torturado, falar sobre violações
dos direitos humanos, tentar contar. Você não podia aparecer para
a população como se estivesse se
protegendo dela", diz.
Em abril deste ano, as Nações
Unidas divulgaram relatório em
que responsabilizavam os próprios representantes da organização no Iraque pelas falhas de segurança. "Pareciam estar cegos
pela convicção de que os funcionários e as instalações da ONU
não seriam alvos de ataques", diz
o texto, para em seguida afirmar
que o próprio Vieira de Mello partilhava da "convicção".
Questionada à época, no entanto, a ONU negou que tivesse responsabilizado de qualquer forma
o brasileiro por falhas que tenham
permitido o atentado.
Texto Anterior: Líder xiita cede e aceita acordo em Najaf Próximo Texto: Mãe pede a Annan atestado de óbito Índice
|