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Bombas viram "chamadas para despertar"
DO ENVIADO A CABUL
Entre os jornalistas que dividem a mesma pousada que a
Folha, elas já têm um nome:
chamada para despertar. "Elas"
são as explosões que aparentemente irão se tornar frequentes com a eleição afegã.
A primeira de ontem foi às
6h58. Alguns jornalistas em
modo zumbi se esbarraram no
jardim do Kabul Lodge apenas
para ouvir o segundo estalo, às
7h04. Não houve deslocamento
de ar, e o barulho foi consideravelmente menor do que o do
atentado de sábado.
Parte do grupo voltou para a
cama; outros começaram a especular o que teria provocado a
explosão. Telefonemas resolveram a charada: era um ataque a
morteiro contra o palácio do
presidente Hamid Karzai, sem
feridos graves. Fotógrafos
guardaram seu equipamento.
A rotina não tem nada de glamourosa, a despeito do que o
cinema possa insinuar. Após o
atentado da tarde, a Folha encontrou um fotógrafo dinamarquês no Ministério da Saúde que mostrou, chorando, as
fotos que tirou dos feridos no
hospital central de Cabul.
"Cara, eram crianças", disse.
E eram. Mais tarde, ele e sua
colega repórter sorriam ao receber a notícia de seu jornal de
que não ficariam até a eleição
por questão de segurança. Até
ontem, havia 255 jornalistas
registrados no país.
Os bloqueios espalhados pela
cidade dificultam o trabalho.
Ontem havia cachorros farejando porta-malas pela primeira vez desde que a Folha chegou a Cabul, na quinta passada.
Mas, se isso evitará atentados,
tanto melhor.
O problema é que não parece
ser o caso. Às vezes, basta mostrar uma credencial facilmente
falsificável para ter seu carro
permitido em um bloqueio.
Enquanto isso, os repórteres
vão criando suas manias. Aqueles com mais tempo de Cabul
não costumam sair antes das
11h ou meio-dia, alegando que
as manhãs movimentadas são
mais suscetíveis a atentados.
Não são poucos os que só saem
se for imprescindível.
O problema é que esses jornalistas tornam-se dependentes dos assistentes afegãos, que
cobram de US$ 100 a US$ 300
por dia para marcar entrevistas, levantar informações e fazer traduções. E há golpes na
praça, como o dos supostos
porta-vozes do Taleban concedendo entrevistas -quando é
sabido que membros do Taleban não falam ao telefone para
evitar rastreamento.
Barulhos são um problema:
uma discussão na rua à noite e
até uma porta batida com mais
força são suficientes para provocar sobressaltos. Um avião
cuja turbina resolve ser mais
estridente que o normal gera
silêncio em mesas de jantar.
Como disse o representante
da ONU no país, Kai Eide, "sem
a mídia, esse processo eleitoral
seria menos legítimo". Geralmente jornalistas não pensam
assim, preocupados com a próxima reportagem ou foto a ser
enviada, mas talvez não deixe
de fazer sentido.
(IG)
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