São Paulo, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

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Bombas viram "chamadas para despertar"

DO ENVIADO A CABUL

Entre os jornalistas que dividem a mesma pousada que a Folha, elas já têm um nome: chamada para despertar. "Elas" são as explosões que aparentemente irão se tornar frequentes com a eleição afegã.
A primeira de ontem foi às 6h58. Alguns jornalistas em modo zumbi se esbarraram no jardim do Kabul Lodge apenas para ouvir o segundo estalo, às 7h04. Não houve deslocamento de ar, e o barulho foi consideravelmente menor do que o do atentado de sábado.
Parte do grupo voltou para a cama; outros começaram a especular o que teria provocado a explosão. Telefonemas resolveram a charada: era um ataque a morteiro contra o palácio do presidente Hamid Karzai, sem feridos graves. Fotógrafos guardaram seu equipamento.
A rotina não tem nada de glamourosa, a despeito do que o cinema possa insinuar. Após o atentado da tarde, a Folha encontrou um fotógrafo dinamarquês no Ministério da Saúde que mostrou, chorando, as fotos que tirou dos feridos no hospital central de Cabul.
"Cara, eram crianças", disse. E eram. Mais tarde, ele e sua colega repórter sorriam ao receber a notícia de seu jornal de que não ficariam até a eleição por questão de segurança. Até ontem, havia 255 jornalistas registrados no país.
Os bloqueios espalhados pela cidade dificultam o trabalho. Ontem havia cachorros farejando porta-malas pela primeira vez desde que a Folha chegou a Cabul, na quinta passada. Mas, se isso evitará atentados, tanto melhor.
O problema é que não parece ser o caso. Às vezes, basta mostrar uma credencial facilmente falsificável para ter seu carro permitido em um bloqueio.
Enquanto isso, os repórteres vão criando suas manias. Aqueles com mais tempo de Cabul não costumam sair antes das 11h ou meio-dia, alegando que as manhãs movimentadas são mais suscetíveis a atentados. Não são poucos os que só saem se for imprescindível.
O problema é que esses jornalistas tornam-se dependentes dos assistentes afegãos, que cobram de US$ 100 a US$ 300 por dia para marcar entrevistas, levantar informações e fazer traduções. E há golpes na praça, como o dos supostos porta-vozes do Taleban concedendo entrevistas -quando é sabido que membros do Taleban não falam ao telefone para evitar rastreamento.
Barulhos são um problema: uma discussão na rua à noite e até uma porta batida com mais força são suficientes para provocar sobressaltos. Um avião cuja turbina resolve ser mais estridente que o normal gera silêncio em mesas de jantar.
Como disse o representante da ONU no país, Kai Eide, "sem a mídia, esse processo eleitoral seria menos legítimo". Geralmente jornalistas não pensam assim, preocupados com a próxima reportagem ou foto a ser enviada, mas talvez não deixe de fazer sentido. (IG)


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