|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Doença é conhecida desde a era bíblica
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
O antraz e os seres humanos são
velhos conhecidos. A bactéria,
que provoca feridas negras como
o carvão (daí o nome "anthracis",
que significa carvão em grego), é
uma das doenças de animais mais
antigas já registradas.
Sua estréia na história começa
na Bíblia, onde a doença aparece
como a sexta praga do Egito. No
capítulo 9, Deus instrui Moisés a
tomar "mãos cheias de cinza de
forno" e a espalhar o pó, provocando "nos homens e nos animais
tumores que se arrebentem em
úlceras por toda a terra do Egito".
O bacilo só seria isolado séculos
depois, em 1876, pelo bacteriologista alemão Robert Koch (1843-1910) -que empresta seu nome a
outra bactéria famosa, a da tuberculose. Num feito inédito, ele demonstrou que a doença era causada por um microrganismo, trabalho que inaugurou uma nova
ciência, a microbiologia.
Outro cientista famoso, o francês Louis Pasteur (1825-1895), foi
mais além. Em 1881, ele desenvolveu a primeira vacina bacteriana
contra o B. anthracis. Pasteur se
impressionou com a capacidade
de resistência da bactéria, que podia sobreviver por décadas no solo, na forma de esporos, e voltar a
infectar animais. De tão espantado, batizou os pastos contaminados de "campos malditos".
"Já houve caso de uma epidemia em carneiros em que o campo ficou fechado por 60 anos. Depois voltaram a criar animais ali, e
todos morreram", disse à Folha o
bacteriologista Luiz Rachid Trabulsi, do Instituto Butantan.
Essa capacidade de resistência é
uma resposta da bactéria a condições ambientais difíceis, como falta de alimento ou água. E é o que
faz do bacilo uma arma tão eficiente. Inalados, os esporos de B.
anthracis provocam rompimento
de vasos sanguíneos e gânglios
linfáticos, levando a falência dos
órgãos e morte em 99% dos casos
(veja quadro à direita).
O poder de fogo do micróbio
começou a ser mais claramente
demonstrado no século 20. Na década de 30, o Japão usou o antraz
(também chamado de carbúnculo ou carbúnculo hemático), além
da bactéria da peste, contra os chineses, durante a invasão da Manchúria. Em 1995, um relatório do
Senado americano apresentava
uma lista de 17 países como possuidores de armas biológicas
-incluindo Iraque, Líbia, Irã, Síria, Coréia do Norte e Israel.
Além de resistente e letal, a bactéria do carbúnculo ainda é fácil
de obter e de cultivar. Qualquer
pessoa instruída em microbiologia e com um laboratório razoavelmente simples pode obter
amostras em campo, isolá-las e
multiplicá-las -um prato cheio
para terroristas que não dispõem
de alta tecnologia para trabalhar
com vírus, mais perigosos.
Apesar da letalidade da contaminação pela via respiratória,
quem lida com o antraz afirma
que casos naturais da infecção em
humanos são raros e o tratamento, antes de aparecerem os sintomas graves, pode ser feito com
antibióticos comuns.
"Isso nunca foi um problema de
saúde pública", afirma a microbiologista Lucia Baldassi, do Instituto Biológico de São Paulo, que
mantém culturas de B. anthracis
em seu laboratório para fazer
diagnóstico em animais. "O último caso humano no Estado aconteceu em 1978", relata.
Para o virologista Paolo Zanotto, da USP, o antraz é mais uma
arma de propaganda do que um
instrumento de destruição. "O
poder de biomagnificação [desencadeamento de uma epidemia
pela transmissão de pessoa a pessoa" é desprezível", diz. "A força
dele está em transmitir a idéia de
que ninguém está seguro."
Texto Anterior: Correio e FBI dão US$ 1 mi por informação Próximo Texto: Estratégia: Ação vai incentivar gasto militar Índice
|