São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2001

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Ataque é ruim para Ocidente, diz francês

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Os bombardeios no Afeganistão são "extremamente negativos" para a imagem do Ocidente, diz o almirante da reserva francês Pierre Lacoste, autor de "A Revolução dos Serviços Secretos" (Ed. Flammarion). "Se me colocasse na cabeça de um muçulmano, mesmo moderado, ficaria horrorizado que estivessem bombardeando um país islâmico."
Os bombardeios, segundo ele, resultam de um modelo de combate que vem sendo adotado desde a Guerra do Golfo (91) e está hoje revelando suas limitações diante de formas inéditas de ataque. No lugar do combate feito com amplos recursos tecnológicos, será preciso preparar as forças humanas para agir com mais agilidade, reforçar os serviços de informação e estar apto para enfrentar a guerra midiática.
O almirante Lacoste, 77, participou da Resistência francesa. Foi comandante da Escola Superior de Guerra Naval e chefe do gabinete militar do primeiro-ministro Raymond Barre, nos anos 70. Na década de 80, atuou como chefe da Esquadra do Mediterrâneo e como diretor-geral de Segurança Externa do governo François Mitterrand. Na reserva, mantém intensa atividade como professor.

Folha - O sr. acha que as forças americanas e britânicas farão ataques por terra no Afeganistão?
Pierre Lacoste -
Tomando as lições do passado, penso que os americanos vão fazer de tudo para evitar serem pegos nas armadilhas de uma guerra no solo.

Folha - Armadilhas?
Lacoste -
Falo de maneira mais histórica. Estou certo de que um homem como o general Colin Powell guardou a lembrança do Vietnã. E, entre os responsáveis militares americanos, ele será aquele que falará aos políticos: "Vietnã, nunca mais". Ele já agiu assim na Guerra do Golfo, e acho tranquilizador para os EUA que seja hoje o secretário de Estado.

Folha - O que há de comum com o Vietnã? Os EUA não podem ganhar?
Lacoste -
O que há de comum é tão velho quanto a história. É a mesma coisa que se passou com Napoleão na Espanha e nas guerras de colonização. Não é o enfrentamento de duas armas equivalentes que vemos, mas de uma estratégia de guerrilha contra forças armadas organizadas. No Afeganistão, tudo se complica mais ainda devido ao terreno difícil do país. Faço apenas uma comparação histórica, pois não sou oficial da armada de terra.

Folha - Como vencer a guerra?
Lacoste -
Quando da tomada de poder pelo Taleban, houve o lado espetacular das armas, da batalha contra as outras facções no Afeganistão, mas houve outra coisa, menos espetacular, que foi a batalha do dólar. Dando somas consideráveis aos chefes de clãs do país, o Taleban fez com que eles se ligassem a sua causa. Penso que hoje deveria ser utilizada a mesma estratégia, num outro sentido.

Folha - Quer dizer, os EUA deveriam dar dólares aos chefes de clãs?
Lacoste -
Não os EUA diretamente. Como nas guerras na Europa e na Renascença, é sempre com muito dinheiro que elas são ganhas. Penso que a melhor coisa a fazer é usar estratégias indiretas.

Folha - A captura de Bin Laden é realmente importante?
Lacoste -
Ela é sobretudo importante para a opinião pública americana. Acho que é preciso considerar o que se passa hoje como uma guerra de informações. E, no teatro da guerra da informação, é preciso reconhecer que os extremistas islâmicos ganharam uma grande vitória. Provocaram um choque midiático extraordinário, mundial. Quem poderia sonhar com uma publicidade tão eficaz?

Folha - O que deveria mudar no modelo dos EUA de fazer guerras?
Lacoste -
É preciso tirar lições de todos os conflitos de depois da Guerra Fria. É preciso ter forças muito mais ágeis. É preciso reforçar tudo que é informação humana. É preciso ter aproximações multivariadas. Tudo isso coloca o modelo em questão.

Folha - Por que a França está tendo participação discreta na guerra?
Lacoste -
Não sei exatamente. Minha opinião pessoal é que estou feliz que não haja aviões franceses bombardeando o Afeganistão. Esses bombardeios são extremamente negativos para a imagem do Ocidente. Se eu me colocasse na cabeça de um muçulmano, mesmo moderado, hoje -isso está nos jornais-, eu ficaria horrorizado que estivessem bombardeando um país islâmico. Eu sei disso, porque foi a mesma coisa na Sérvia: hoje, as vítimas desse tipo de combate e bombardeios são formadas em 80% por civis.



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