São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

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Em Teerã, iranianos exprimem desilusão e crítica

MOUNA NAIM
DO "LE MONDE", EM TEERÃ

Fazia muito frio no mercado de Tajrish, na zona norte de Teerã, na segunda-feira, 16 de fevereiro. Mas o mau tempo não desanimava uma multidão de fregueses que buscavam objetos de todo o tipo, desde roupas baratas até artigos de mercearia finos.
Não fosse por dois ou três adolescentes perdidos na multidão, distribuindo folhetos em favor de alguns candidatos, não haveria indício nenhum das eleições legislativas de hoje.
Comerciantes e compradores estão ocupados com seus afazeres, indiferentes a qualquer distração. Nesse microcosmo de pelo menos uma parte da sociedade de Teerã, onde jovens e velhos, ricos e pequenos burgueses se movimentam lado a lado, é difícil encontrar um eleitor que se diga disposto a ir às urnas.
Elas são três garotas adolescentes usando a roupa vista como ideal, "correta", envoltas num chador negro que arredonda seus rostos jovens e esconde seus corpos. A julgar por sua aparência, elas devem corresponder à imagem estereotipada que se tem das mulheres favoráveis aos conservadores. Ledo engano.
Uma delas, Elham, diz que vai votar, sim: "Esse é um direito meu, e um dos candidatos é satisfatório. Meu pai e minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs vão fazer o mesmo". A explicação é convincente, mas há um problema: o candidato é seu futuro cunhado. Sem que lhe perguntemos mais nada, Elham acrescenta: "No meu colégio, nenhum jovem com idade para votar vai fazê-lo".
Somayé, 23, que a acompanha, acrescenta: "Se não me pagarem, eu não voto. Nada neste país vale a pena se não formos pagos em troca. Eu votei nas duas últimas eleições legislativas, mas cheguei à conclusão de que o esforço não vale a pena".

"Amor" pelos EUA
Ali perto, a jovem estudante de línguas Somaz, 20, faz uma avaliação diferente, mas também audaciosa da classe política de seu país. Ela diz que não vai votar porque não está satisfeita nem com o presidente nem com o país, porque estes não atendem às suas aspirações, especialmente no que diz respeito "à liberdade de expressão e de viver".
Nas últimas eleições, Somaz imaginava que os reformistas fossem melhorar as coisas. "Mas, desde que chegaram ao poder, eles passaram a pensar apenas neles mesmos, e as coisas foram de mal e pior", assinalou, com veemência, como que desejosa de aliviar uma raiva que a oprimia.
No dia da eleição, Somaz pretende assistir à televisão -às redes nacionais, à BBC e também à CNN - "sim, as antenas parabólicas são proibidas, mas todo mundo tem"- e diz que vai continuar a sonhar com os Estados Unidos, país que ela "ama", embora nunca tenha posto os pés nele. Mas seu pai já foi, e, "lá, o governo governa realmente o país".


Tradução de Clara Allain


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