São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

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A CRISE ATUAL VAI MUDAR O IRÃ?

SIM

Repressão dá força aos oposicionistas

DA REDAÇÃO

A provável vitória da linha dura na eleição legislativa iraniana de hoje será curta, e o recrudescimento de seu controle sobre a cena política acabará fortalecendo os liberais. Impedindo uma reforma gradual do sistema político, ela alimenta as forças que buscam uma mudança radical no Irã.
A avaliação é de Shireen Hunter, diretora do programa sobre o islã do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA) e autora de "Iran and the World: Continuity in a Revolutionary Decade" (Irã e o mundo: continuidade numa década revolucionária). Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha. (MSM)
 

Folha - Um escritório do maior partido reformista iraniano foi fechado hoje [ontem]. O mesmo ocorreu com dois jornais independentes ontem [anteontem]. O que significam essas medidas?
Shireen Hunter -
Trata-se de uma demonstração de força que tem como pano de fundo a eleição legislativa. Tudo indica que ela será vencida pela linha dura. Contudo essa vitória será curta, já que o recrudescimento do controle dos conservadores sobre a cena política acabará fortalecendo o movimento oposicionista. A linha dura iraniana está, portanto, cometendo um grande erro.
Afinal, impedindo uma reforma gradual do sistema político iraniano, ela está alimentando as forças que buscam uma mudança radical. É impossível prever o desfecho da crise atual, mas a vitória dos conservadores não resolverá o verdadeiro problema.

Folha - A participação ativa dos jovens, principalmente dos estudantes, nos protestos poderia ser o ponto de inflexão da crise?
Hunter -
Sim, mas apenas porque eles poderiam servir de catalisadores, não porque sejam extremamente influentes na cena política do Irã. Uma coisa é certa: a partir da próxima semana, haverá mais casos de resistência pacífica ao regime dentro do país e críticas da comunidade internacional ao poder central do Irã.
Por outro lado, não podemos descartar a possibilidade da ocorrência de uma disputa pelo poder entre os conservadores. Com isso, se conseguir inserir certas reformas na agenda do Legislativo após a eleição, a ala mais pragmática da linha dura poderá controlar todo o processo de reforma política. Essa não é a visão de Ali Khamenei [o líder supremo], mas pode estar ganhando força.

Folha - Assistimos hoje ao início do fim do regime islâmico do Irã?
Hunter -
Ele começou a ruir logo depois da morte de Khomeini [líder da Revolução Islâmica de 1979, morto em 1989]. O fenômeno foi interrompido, no início dos anos 90, pelo colapso da URSS, pelo fim do confronto bipolar da Guerra Fria e pela Guerra do Golfo [1991]. Se tudo isso não tivesse acontecido, talvez a queda do regime iraniano já tivesse ocorrido.
Há uma contradição básica na República Islâmica do Irã. Trata-se de uma antinomia, pois os valores republicanos privilegiam o povo e as instituições, enquanto os valores que a linha dura chama de "islâmicos" têm estruturas que não permitem a existência de instituições republicanas fortes, como órgãos poderosos cujos membros não são eleitos pelo povo.


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