São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

DOUTRINA

Onda conservadora ocidental é reforçada

Bush na Casa Branca e Ratzinger no Vaticano sugerem uma opção clara pelo combate aos ideais liberalizantes dos anos 90

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Primeiro Bush 2º, agora Bento 16. A onda conservadora que assola o mundo desde o começo deste século agora chega a mais um momento apoteótico, a eleição de Joseph Ratzinger ao cargo de chefe supremo da maior igreja cristã do mundo, com cerca de 1 bilhão de fiéis. Há algum paralelo possível sobre o que aconteceu nos EUA em novembro do ano passado, quando mais de 50 milhões de pessoas elegeram George W. Bush para um segundo mandato, com a eleição por números secretos do alemão ontem?
Não e sim. O não fica por conta da diferença básica: um elegeu-se num sufrágio popular, outro num conclave secreto. Democracia e religião são quase imiscíveis, e desde pelo menos o século 18 isso virou boa norma de governo.
Dito isso, é significativa a eleição de Ratzinger, um cruzado da idéia de uma Igreja Católica fundamentalista, antiglobalização, antimodernidade, justamente num momento em que o também integrista, isolacionista e tradicionalista Bush governa a maior potência militar do mundo, que move sua própria cruzada, a "guerra ao terror". Como chefe da maior potência religiosa e, para muitos, moral do mundo, Bento 16 irá operar numa banda semelhante à do presidente dos EUA, descontadas as óbvias diferenças.
O que isso diz do mundo em que vivemos? Primeiro, que a crise existencial do homem moderno, um homem sem deuses ou pátrias, está gerando um refluxo. Depois da farra liberal dos anos 90, quando o fim da Guerra Fria parecia anunciar um mundo multipolar e integrado, com a bonança dos anos Clinton gerando uma prosperidade artificial no mundo rico que só foi acabar quando estourou a bolha da internet, em 2000, e um abismo de miséria no mundo pobre, veio a dúvida.
Para onde estamos indo? A farra acentuou a emergência de "Sudões", ajudou a fomentar a Al Qaeda e o 11 de Setembro, e da moral clintoniana os americanos lembram mais de Monica Lewinsky. Com isso, abriu-se o caminho para a ansiedade do Ocidente buscar algum tipo de agenda mais sólida. Nos EUA, o que havia à mão era o amálgama de denominações protestantes que pregam um fundamentalismo quase apocalíptico, mas que diz muito ao paroquiano da América rural. À Europa ainda tentando achar um caminho por meio de uma economia forte calcada no euro, mas patética frente ao poderio americano, restou dizer amém. Expoentes dos róseos anos 90, como Tony Blair, dizem sim aos antes espezinhados texanos que ocupam a Casa Branca.
No mundo católico, João Paulo 2º já vinha trilhando esse caminho. Mas ele era uma incógnita teológica. Acabou como um dos grandes nomes do catolicismo, mas seus feitos se concentram nos seus primeiros anos de papado. Era uma relíquia do século 20.
Já Ratzinger, como seu inquisidor-mor, representa uma opção clara. Para encarar o mundo moderno, apenas uma Igreja Católica firme em princípios que datam de séculos poderá sobreviver. E, talvez, até conquistar fiéis mais convictos, como um banco antigo, que atrai clientela porque não quebra. Pelo menos foi isso que os cardeais proclamaram ontem.
Como consolo para os liberais, o movimento parece ser pendular, embora seja arriscado cair na falácia da repetição da história. O que é inescapável é que a eleição de Bento 16 é um sinal eloqüente do lado da balança em que o mundo, pelo menos o ocidental, está. (IGOR GIELOW)


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