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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Ataque mata outro soldado em Bagdá; mortes de militares e cenário incerto derrubam nos EUA apoio à ocupação

Cresce nos EUA questionamento sobre guerra

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Passados 102 dias da queda de Bagdá, cresce nos EUA o questionamento à operação militar no Iraque. Se a vitória foi rápida -as tropas chegaram à capital em menos de um mês-, o pós-guerra se desenha como pesadelo.
Mais um soldado americano foi morto ontem enquanto guardava um banco de Bagdá, apesar de duas operações na capital e arredores que acabaram com a prisão de cerca de 1.200 pessoas e a apreensão de armas e explosivos.
Os ataques de guerrilhas, as seguidas mortes de militares e a falta de perspectiva para o fim da operação concorrem para fazer despencar o apoio da opinião pública à operação, que foi maciço antes e durante a guerra.
Levantamento do Pew Research Institute mostra que caiu de 65% (no início da guerra) para 23% a parcela de americanos para os quais o esforço militar está indo bem. O Gallup detectou tendência no mesmo sentido: o percentual dos que pensam que "valeu a pena" fazer a guerra caiu de 73% para 56% em um mês.
"A opinião pública muda muito depressa. Mudou muito desde que a guerra foi declarada encerrada", afirma Bill Dobbs, da United for Peace and Justice, a principal organização pacifista de Nova York. "Os americanos apoiaram a guerra, mas acho que agora estão começando a surgir pontos de interrogação. Parece haver mais pressão sobre a administração Bush, o que é bom", diz.
Aos poucos, a discussão chega à imprensa americana. "Paz é o inferno: três meses após a queda de Bagdá, os americanos ainda tentam impor ordem no caos", estampou em sua última capa a revista "Time". Sua principal concorrente, a "Newsweek", adotou linha semelhante: "US$ 1 bilhão por semana: o custo da paz".
O pior é que depois de essas revistas chegarem às bancas seguiu-se uma semana de péssimas notícias. Novos ataques fizeram a quantidade de baixas superar o número de mortos americanos em combate na Guerra do Golfo de 1991 -147. Com a morte de ontem, a Guerra do Iraque já provocou a morte em combate de 149 soldados dos EUA.
"Agora está claro que temos de deixar de apenas proteger nossas tropas para combater ativamente o inimigo e procurar Saddam Hussein", afirma Kenneth Weinstein, do Hudson Institute.
Nesse ponto, aliás, outra má notícia da semana: Saddam pode estar mesmo vivo e atuante, segundo o próprio governo, que na sexta disse haver grande probabilidade de que uma gravação atribuída a ele e difundida por TVs árabes seja recente e autêntica.
Enquanto Saddam não aparece, os militares americanos enfrentam crise interna e moral baixa. Soldados foram à TV reclamar do primeiro escalão do governo.
"Uma grande parte do pessoal militar está bem irritada com os civis que os colocam nessa posição difícil", afirma Carpenter.
Há ainda a questão financeira: na última semana, o governo dos EUA anunciou que o déficit do Orçamento deste ano será 50% maior que o previsto, chegando a US$ 455 bilhões -e boa parte disso se deve aos US$ 3,9 bilhões gastos por mês no Iraque.
Também na última semana, a administração Bush admitiu ter usado um argumento incorreto para justificar a guerra, o que certamente não ajuda a justificar o custo e as mortes da operação.
Apesar desse cenário, Fred Ikle, subsecretário da Defesa durante a administração de Ronald Reagan (1981-1989), ainda aposta no apoio da opinião pública.
"Parece que o público americano vai apoiar o esforço adicional que é necessário. As pessoas estão desapontadas por não ter havido um final fácil e rápido, e em alguns casos isso causa dor", disse, em entrevista à Folha.
Tal situação reacende o movimento contrário à guerra, que promoveu algumas das maiores manifestações da história antes do conflito. Na terça-feira, a United for Peace and Justice lança o Centro Internacional de Observação da Ocupação, uma casa em Bagdá que servirá para divulgar as condições de vida dos iraquianos. "Enquanto as condições pioram no Iraque, as organizações pacifistas inauguram um projeto sem precedentes", anuncia a entidade.
Se o centro conseguir seu objetivo, poderá surgir mais um problema para o governo -segundo o raciocínio, inclusive, de gente que não vê grandes sobressaltos na operação atual. "As pessoas nos EUA não vão ficar satisfeitas se isso não for resolvido. As pessoas vão se preocupar se houver um sentimento de que os iraquianos não estão melhores depois desse trabalho todo", diz Jon Alterman, do Center for Strategic and International Studies.

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