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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Nasrallah vira ídolo pop e trunfo político na Síria
Sem disparar um tiro, país sai como vencedor da guerra entre Israel e Hizbollah
Ascensão do líder do grupo xiita a herói da causa árabe fortalece ditador Assad, que tenta romper isolamento imposto por Washington
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO
As ruas de Damasco são um
monumento à "resistência libanesa". Bandeiras do Hizbollah
estão em cada esquina e o rosto
de seu líder, Hassan Nasrallah,
estampa camisetas, chaveiros,
cadernos escolares e todo tipo
de objeto exaltando o novo "herói" do mundo árabe. Na mesma onda de popularidade que o
transformou em ídolo pop no
país, Nasrallah também se tornou o maior trunfo político do
regime sírio, que sai da guerra
entre Israel e o Hizbollah como
um claro vencedor.
Ainda haverá muita discussão para apontar vitoriosos e
derrotados, mas é inegável que
o regime controlado com mão
de ferro pelo ditador Bashar
Assad foi fortalecido pelo conflito. Antes da guerra, o país estava isolado até no mundo árabe, sofria a pressão internacional maciça da investigação sobre o assassinato do ex-premiê
libanês Rafik Hariri, na qual é o
maior suspeito, e não via nenhuma chance de recuperar as
colinas do Golã, que perdeu para Israel em 1967.
Agora, analistas do peso de
Thomas Friedman, do "New
York Times", criticam Washington por ter congelado os
canais diplomáticos com Damasco, o chanceler sírio é recebido com honras em Beirute, o
ministro da Defesa de Israel diz
que é hora de negociar e o regime de Assad experimenta solidez e popularidade doméstica
que há muito não tinha. E a investigação da ONU sobre Hariri, dizem analistas, está cada
vez mais longe de Damasco.
O ditador sírio não perdeu
tempo em colher os louros. Em
um raivoso discurso feito esta
semana em Damasco, Assad
proclamou a vitória da "resistência" e atacou Israel, os Estados Unidos e os inimigos libaneses, liderados por Saad Hariri, filho do ex-premiê. Num comentário irônico sobre os planos americanos de democratizar a região, Assad disse que a
"vitória" do Hizbollah contra
Israel é que marca o início de
um "novo Oriente Médio".
Hora do troco
"Depois de toda a pressão sofrida, foi a hora de dar o troco",
diz Joshua Landis, especialista
em Síria da Universidade de
Oklahoma, no EUA, que recentemente concluiu um ano de
pesquisas no país. "Antes da
guerra o governo tinha a sensação de que era impossível agradar a Washington e que não tinha nenhuma carta nesse jogo.
Agora Damasco se sente forte.
E deve isso ao Hizbollah."
A política oficial de aliança
com o grupo xiita é uma realidade visível nas ruas, lojas, restaurantes e cafés de Damasco,
onde o amarelo predomina e o
entusiasmo em torno de Nasrallah parece ser espontâneo,
mesmo num país em que tudo é
controlado pelo governo e a
dissidência pode dar cadeia.
"Finalmente surgiu alguém para derrotar Israel. Como não
vamos apoiá-lo?", pergunta
Saed, vendedor de suco no movimentado bazar da cidade velha de Damasco. Na cabeça,
uma faixa do grupo xiita. No
peito, uma foto de Nasrallah estampada numa camiseta cinza.
A dívida de Assad com Nasrallah é anterior à guerra do Hizbollah contra Israel. No ano
passado, pouco após o atentado
que matou Hariri em Beirute,
quando todos as suspeitas
apontavam para Assad e crescia
o movimento pela retirada da
Síria, Nasrallah deu uma impressionante demonstração de
força, colocando um milhão de
pessoas numa praça de Beirute
em apoio a Damasco.
Meses depois, a pressão internacional poria fim a 29 anos
de domínio sírio, mas a aliança
com o grupo xiita ficou ainda
mais sólida, assim como a aproximação com o Irã, outra parceria estratégica para o regime de
Assad. "Há uma clara confluência de interesses entre a Síria, o
Irã e o Hizbollah", explica o
analista Steven Cook, num relatório recente do Council of
Foreign Relations.
A Síria apoiou o Irã na guerra
contra o Iraque (1980-1988),
rompendo o consenso árabe e
refletindo a rivalidade de sua
corrente baathista com a de
Saddam Hussein. O país recebe
milhares de turistas iranianos
anualmente, em peregrinação a
locais sagrados xiitas na Síria. A
confluência se completa na
aliança com o Hizbollah, que
recebe o apoio político e militar
de Damasco e cerca de US$ 100
milhões por ano de Teerã.
As afinidades políticas compensam o mar cultural que separa Teerã e Damasco. O Irã é
uma teocracia xiita. A Síria é
uma ditadura secular dominada pela minoria alauíta que
controla o partido Baath. Nas
ruas de Damasco, mulheres xiitas cobertas de negro da cabeça
aos pés cruzam com meninas
cristãs de minissaia, que se divertem instalando nos celulares "ringtones" que fazem soar
frases do líder do Hizbollah
quando o telefone toca.
A popularidade de Nasrallah
se estendeu ao ditador sírio,
que radicalizou o discurso contra Israel, mas manteve uma
brecha para o diálogo. "A guerra serviu para devolver o foco à
Síria, que é recuperar o Golã",
diz Landis. "Agora que está fortalecido, Assad deverá sinalizar
que está disposto a negociar."
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