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Apesar da destruição, líder xiita ganha a aura mítica de Nasser
ROULA KHALAF
DO "FINANCIAL TIMES"
Enfrentar Israel representa
um bilhete para o estrelato, no
mundo árabe. Humilhados por
repetidas derrotas militares e
pela ocupação persistente, desiludidos pelos fracassos políticos em seus próprios países, os
árabes ficam hipnotizados
quando alguém aparece para
reafirmar sua dignidade e desafiar o Estado judeu.
Assim, não deve constituir
surpresa para ninguém o fato
de Hassan Nasrallah, o líder do
Hizbollah, ter alcançado status
de ícone em todo o Oriente Médio. Enquanto os militantes xiitas se desviavam dos ataques israelenses, disparavam foguetes
e infligiam baixas pesadas em
campo, a aura que cerca Nasrallah foi crescendo, atravessando a divisão sectária entre xiitas e sunitas e alcançando o status mítico de outro herói árabe,
o egípcio Gamal Abdel Nasser.
Nasrallah elevou ainda mais
seu status com discursos televisionados proferidos de seu esconderijo. Ele detalhava as
operações militares do Hizbollah com calma e rigor e zombava de Israel e seus líderes. Descrevendo seus combatentes como "heróis que escrevem épicos e operam milagres", Nasrallah, na semana passada, lembrou aos ouvintes que, ao derrotar o objetivo israelense de
esmagar sua organização, esta
havia obtido algo que Exércitos
árabes nunca conseguiram.
A devastação do sul e outras
partes do Líbano é testemunha
do preço colossal que o país pagou pela guerra. No entanto,
Nasrallah, de 46 anos, emergiu
do conflito mais forte que antes, e sua liderança foi essencial
para a construção de uma guerrilha destemida e disciplinada.
Filho morto
Quando o mais velho de seus
quatro filhos morreu em combate, em 1997, Nasrallah foi
adiante com um discurso já
programado, insistindo que
não demonstraria fraqueza
diante do inimigo. "Mas quando você está sozinho consigo
mesmo ou com sua família, ali
onde o inimigo não o vê, então
você pode dar rédea solta às
emoções", reconheceu certa
vez em entrevista.
Entretanto, Nasrallah iniciou o conflito mais recente
com um sério erro de cálculo.
Aparentemente, ele previra
que a incursão em território israelense em 12 de julho, na qual
foram capturados dois soldados, provocaria reação apenas
limitada de Israel e resultaria
numa troca de prisioneiros.
Ele enfrentou críticas no Líbano pela decisão unilateral de
levar o país a uma guerra que
atende aos interesses do Irã e
da Síria, mas não os do próprio
Líbano. Apesar disso, Nasrallah
foi se fortalecendo à medida
que foi liderando a contra-ofensiva e vendo a população
unir-se em torno do Hizbollah.
Em um dos momentos mais
teatrais do conflito, no fim de
um discurso gravado, ele pediu
aos libaneses que olhassem em
direção ao mar e assistissem às
conquistas do Hizbollah. De fato, a cena no Mediterrâneo era
dramática: chamas se erguendo
de uma embarcação israelense.
Nasrallah tem se mostrado
tão eficiente e à vontade liderando um partido político
quanto é no comando de uma
guerra de guerrilha. Nascido de
uma família xiita libanesa modesta, como o mais velho de nove filhos, ele entrou para a política aos 15 anos, quando ingressou no movimento Amal. Este
era o principal partido xiita libanês, que defendia a causa da
minoria que era a maior do
país, mas marginalizada. Na cidade santa iraquiana de Najaf,
conheceu Abbas Musawi, que
se tornaria seu mentor e fundaria o Hizbollah após a invasão
israelense do Líbano em 1982.
Nasrallah ascendeu rapidamente nas fileiras do Hizbollah
e, quando Musawi foi assassinado, em 1992, foi escolhido
para o seu lugar.
Sob sua liderança, o Hizbollah desenvolveu-se em duas
frentes: a militar e a política.
Nasrallah conduziu a resistência à ocupação israelense, com
ataques contra alvos militares
israelenses no sul do Líbano,
fazendo do Hizbollah uma fonte de inspiração não só para os
palestinos mas também para o
exército Mahdi iraquiano, uma
milícia xiita.
O Hizbollah é visto como o
partido político mais organizado do país, embora, no sistema
sectário de cotas parlamentares do Líbano, o grupo detenha
apenas 14 das 128 cadeiras do
Parlamento. No momento em
que o Líbano emerge do trauma da guerra, o poder político
fortalecido do Hizbollah é motivo de orgulho para os xiitas,
mas provoca temor nas outras
comunidades religiosas do país.
A pergunta que vem sendo
feita a Nasrallah é se a busca
por um governo forte e coeso
pode ser conciliada com o cada
vez mais forte "Estado dentro
do Estado" erguido pelo Hizbollah. "Se o secretário-geral do
Hizbollah se tornou o presidente do Líbano, ele deveria
nos informar disso", declarou
na semana o ex-presidente
Amin Gemayel.
Nasrallah aceitou o cessar-fogo mediado pela ONU e o envio de tropas do Exército libanês ao sul do país. Mas não tem
nenhuma intenção de desarmar seu grupo, conforme pedem as resoluções da ONU. Entretanto, depois de dar-se bem
no comando de uma guerra, a
prova que Nasrallah enfrentará
agora é administrar a paz e impedir a erupção de outro espasmo de violência, desta vez no
interior da própria sociedade
libanesa dividida.
Tradução de CLARA ALLAIN
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