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"Regimes latinos catalisam crises"
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"Parece que nossos regimes presidencialistas são catalisadores de
crises", diz o historiador Francisco Doratioto, 46. Para o especialista em história das relações internacionais no Cone Sul e autor
de "Maldita Guerra - Nova História da Guerra do Paraguai" (Companhia das Letras), o fato de os
governos latino-americanos do
período de redemocratização não
terem conseguido superar problemas econômicos herdados do
passado está na raiz de insatisfações populares como a que culminou com a renúncia do presidente
boliviano Sánchez de Lozada.
Leia trechos da entrevista que o
professor da Universidade Católica de Brasília concedeu à Folha.
Folha - Como você vê a renúncia
do presidente Sánchez de Lozada?
Francisco Doratioto - Lozada foi
forçado a sair por um levante popular. Recentemente, vimos outros na América Latina -no
Equador, no Peru e na Argentina.
Parece que nossos regimes presidencialistas são catalisadores de
crise, na medida em que não oferecem alternativas institucionais
para substituir chefes de governo
que se tornam impopulares.
Folha - Há uma insatisfação comum nos países que conheceram
convulsões sociais? Seria com a democracia, com o neoliberalismo?
Doratioto - Não acredito que se
possa dar um adjetivo à democracia, chamando-a de neoliberal.
Essa discussão é antiga na América Latina. Até o início dos anos 80,
no contexto de Guerra Fria, classificava-se a democracia de burguesa. Aí se trocou o palavrão "burguesa" por outro, "neoliberal".
O que aconteceu foi que, com os
processos de redemocratização
no Cone Sul, houve a abertura das
economias. A isso somou-se uma
herança de governos anteriores
-a dívida externa, modelos equivocados de desenvolvimento etc.
Quando pressionados por demandas populares, os primeiros
governos da redemocratização
tomaram decisões muitas vezes
populistas, equivocadas e até experimentais, que agravaram a situação ou não atenderam os interesses dos setores populares.
Não creio que o descontentamento seja com a democracia,
mas contra a situação de miséria.
Folha - O sr. acha que a América
Latina segue um destino conjunto,
de ondas históricas simultâneas, e
que estaríamos vendo a crise de um
modelo político?
Doratioto - Quando se fala do índio boliviano, trata-se do camponês, que é explorado e está na miséria desde o período colonial.
Não é uma onda, é uma permanência. Durante todo o século 19 e
grande parte do 20, as elites latino-americanas foram dependentes voluntárias. A Argentina chegou a ser uma das maiores rendas
per capita do mundo na situação
de dependente. A elite argentina
fez uma opção pela dependência,
que lhe parecia lógica, pois trazia
crescimento econômico. Mas isso
não construiu bases para a industrialização e o desenvolvimento.
Folha - Há um paralelo possível
entre o caso boliviano e as turbulências recentes no Paraguai?
Doratioto - Os dois são países
mediterrâneos, sem saída para o
mar. Por isso, são economias que
ficaram isoladas da divisão internacional do trabalho. E é muito
comum vermos -até em alguns
livros didáticos- a explicação de
que a pobreza do continente foi
causada pela inserção da América
Latina na divisão internacional do
trabalho. Isso é só parcialmente
verdadeiro, pois se a não-inserção
internacional fosse fator de desenvolvimento, Paraguai e Bolívia
seriam hoje os países mais desenvolvidos do continente.
Folha - Até que ponto o argumento da Guerra do Pacífico foi instrumentalizado pela oposição a Sánchez de Lozada?
Doratioto - A questão da guerra
do Pacífico pode ter sido instrumentalizada por facções políticas
por ser um sentimento real na sociedade boliviana. É aquilo que
um teórico de relações internacionais, Pierre Renouvin, chamou de
"força profunda", um fator que
pode ser econômico, psicológico,
político, cultural, que transcende
a circunstância histórica e que
persiste no longo tempo.
Na Bolívia, esse sentimento de
perda de território está entranhado na população. Mas só o nacionalismo sozinho não explica a situação sem a questão da pobreza.
Folha - Como acha que será o novo governo boliviano?
Doratioto - Carlos Mesa deve
atender a bandeiras dos oposicionistas para estabilizar-se e combater a pobreza. Resta a incógnita
da postura dos EUA, que perderam, com a renúncia de Lozada,
um aliado fiel.
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