São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Desastre causa atrito entre Portugal e Espanha

DO "THE INDEPENDENT"

Discussões acirradas e acusações de todas as partes dilaceravam a União Européia (UE) na noite de ontem -depois que o petroleiro Prestige afundou.
Espanha e Portugal se atacavam. A França, o último país europeu a ter sofrido um grave vazamento de óleo, acusava a UE de não ter implementado um sistema de verificações marítimas.
O presidente francês, Jacques Chirac, fez observações mordazes a respeito da UE, criticando "a falta de capacidade dos responsáveis políticos" europeus em agir contra a navegação de "lixeiras... em condições totalmente inaceitáveis".
As relações entre Portugal e Espanha nunca são totalmente tranquilas, mesmo nos melhores momentos, mas o desastre do Prestige motivou uma discussão feroz entre os dois países vizinhos, que procuram desesperadamente livrar-se da responsabilidade pelo desastre ambiental.
O petroleiro naufragado se rompeu ao largo da costa portuguesa, por volta de 48 quilômetros ao norte da área de exploração econômica exclusiva de Portugal, disseram funcionários da Marinha em Lisboa. O primeiro-ministro português, José Manuel Durão Barroso, disse ter certeza de que o petroleiro se encontra afundado em águas espanholas.
A Espanha, porém, considera que o navio -que já desapareceu sob as ondas, embora possivelmente ainda não tenha alcançado o fundo do mar- está fora de sua jurisdição e que a responsabilidade por ele não cabe mais a Madri. A Espanha procurava levantar fundos ontem para compensar os pescadores atingidos, tentando furiosamente limpar a mancha de óleo e impedir que ela avance mais em direção à costa.
O ministro da Defesa de Portugal, Paulo Portas, comentou o acidente e suas consequências potenciais nos bastidores de uma reunião com representantes espanhóis, em Bruxelas.
"O acidente aconteceu em águas espanholas, e isso tem certo peso legal", teria dito ele.
Chirac disse que os 15 países da UE precisam adotar uma política marítima "draconiana". Ele lembrou que a UE só tomou iniciativas no sentido de deixar de utilizar petroleiros velhos e sem boas condições de funcionamento depois de um desastre semelhante ocorrido ao largo da França, em 1999, quando o petroleiro Erika se quebrou em duas partes. "Medidas nesse sentido estão sendo implementadas, mas muito lentamente", disse Chirac.
O comissário de Transportes da UE, Loyola de Palácio, só escreveu ontem a todos os governos da UE, exortando-os a não esperar até julho do próximo ano para implementar as novas normas.
O ministro dos Transportes de Chirac, Gilles de Robien, foi além, dizendo: "Precisamos de uma política de alto-mar". Ele acusou a UE de ser muito lenta na implementação de uma política marítima para verificar os navios que trafegam por águas européias.
Assim como o terreno pantanoso onde o norte de Portugal e o sudoeste da Galícia se fundem de maneira imperceptível, o mar não respeita fronteiras, e tanto a Espanha quanto Portugal sofrerão um desastre ambiental se a maior parte das 77 mil toneladas de óleo ainda contidas no navio acabar chegando a suas praias.
A disputa é a mais recente a ser motivada pelas ambiguidades quanto a quem é responsável pelo navio Prestige, de bandeira das Bahamas e propriedade grega, que se dirigia da Letônia para Gibraltar (segundo Madri) ou para Cingapura (diz o Reino Unido).
Ainda neste mês, o Parlamento Europeu deve discutir um esboço da Diretriz de Responsabilidade na UE. Mas a proposta tem sido criticada por ambientalistas por ser "tão branda que é praticamente inútil".
Lisboa se prepara para o pior. Se os ventos mudarem hoje, a mancha de óleo poderá ameaçar a costa portuguesa, que, como a da Espanha, abriga comunidades de pescadores que formam a base de toda a economia de sua região litorânea.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Vazamento pode afetar rica fauna marinha
Próximo Texto: Pesquisa: Brasil é líder mundial em crimes na internet
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.