São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VENEZUELA

Grevistas da PDVSA, porém, decidem ignorar ordem; Chávez diz a enviado de Lula que situação do setor é "crítica"

Justiça manda parar greve de petroleiros

Kimberly White/Reuters
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, saúda seus simpatizantes durante evento em Caracas


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

A crise venezuelana está entrando em 72 ou 96 horas críticas, na avaliação do próprio governo, findas as quais, no entanto, pode surgir uma tênue luz no fim do túnel, na forma de eleições antecipadas. As horas decisivas estão ditadas por dois fatores.
O primeiro é a "crítica" situação da indústria petrolífera, bloqueada pelo locaute promovido pelos seus quadros gerenciais.
Quem definiu a situação como "crítica" foi o próprio Chávez, ao expô-la ontem à tarde, no Palácio de Miraflores, a Marco Aurélio Garcia, enviado especial do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao embaixador em Caracas, Ruy Nogueira.
A Suprema Corte do país ordenou que o pessoal da PDVSA, a estatal petrolífera, regressasse ao trabalho até que fosse julgado pedido do governo para que a paralisação seja considerada ilegal.
Porta-vozes dos grevistas, porém, disseram que a ordem não será respeitada e afirmaram que só voltarão ao trabalho quando forem convocadas eleições.
O vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel, condenou a reação dos grevistas. "A ordem é muito clara: voltem ao trabalho", disse ele a uma rádio.
O petróleo responde por 25% da economia venezuelana, 50% dos impostos arrecadados pelo Estado e 80% das exportações. Números que bastam para dar idéia do impacto que o locaute está tendo na economia.
O impacto começa a chegar ao cotidiano das pessoas, porque a falta de combustível provoca longas filas nos postos e obriga táxis e ônibus a reduzir os horários de circulação, o que, por sua vez, leva a atrasos na chegada do público aos locais de trabalho.
Muito mais que a greve geral -de obediência no mínimo discutível-, a grande arma da oposição para tentar levar Chávez ao nocaute é o bloqueio da indústria petrolífera.
"Não temos uma greve geral, mas um locaute organizado pelos quadros gerenciais da PDVSA", disseram a Marco Aurélio e ao embaixador duas altas autoridades venezuelanas, o chanceler Roy Chaderton e o vice Rangel.
O segundo fator é a megamanifestação que a oposição pretende realizar hoje, a "tomada de Caracas". A marcha, em tese, irá até o Palácio de Miraflores, a sede governamental, intenção a que o governo se opõe frontalmente.
"Em nenhum país do mundo se aceita que uma manifestação contrária ao governo chegue à sede do poder", exagera o ministro do Interior, Diosdado Cabello.
Nesse impasse, o potencial para um incidente violento é formidável, em um país em que 70% da população está ilegalmente armada, nas contas do vice Rangel.
Foram as mortes em uma manifestação oposicionista em abril que pavimentaram o caminho para o golpe que depôs Chávez por dois dias.

Tênue luz
Sangue nas ruas e/ou o colapso da economia por causa do locaute da PDVSA seriam os caminhos para abreviar o mandato de Chávez que, constitucionalmente, vai até 2007.
Mas, se nem uma coisa nem outra acontecerem nos próximos dias, a chegada do Natal e das festas de Ano Novo tende a provocar uma trégua, em cujas dobras pode-se avançar na discussão de uma saída "constitucional, democrática, pacífica e eleitoral", como pede a OEA (Organização dos Estados Americanos).
A OEA foi forçada a intermediar uma negociação governo/oposição, já que as duas partes se odeiam e não se falam.
A saída poderia ser uma emenda à Constituição que estabelecesse eleições em um prazo que ficasse mais ou menos no meio do caminho entre o "já" que a oposição exige e o referendo previsto na própria Constituição para agosto, no qual o eleitorado confirmaria ou retiraria o apoio ao presidente.
Já há até uma proposta de emenda, elaborada pelo deputado governista Guillermo Palácios, que prevê o fim do mandato de Chávez em 1º de abril (que, na Venezuela, não é dia da mentira).
Pela proposta, Chávez teria de sair 60 dias antes das eleições, se quiser se recandidatar.
Abril é exatamente a metade do tempo entre o "já" da oposição e o agosto do governo.
É uma solução tão simples de enunciar quanto difícil de implementar na prática, pela fortíssima polarização criada na Venezuela, em especial depois do frustrado golpe de abril.
São claramente maiores as chances de uma fagulha qualquer provocar um incêndio político-institucional ainda mais grave do que o já gravíssimo impasse que o país vive.
Impasse visível nos sons e cores: as emissoras privadas de TV, principal braço da conspiração anti-Chávez, não cessam de emitir publicidade da Coordenadora Democrática, a multifacetada coalizão oposicionista, que diz: "Ni un paso atrás, vete ya" (nem um passo atrás, saia já).
Mas, nos muros próximos a um dos canais (RCTV, Rádio Caracas Televisión), os "chavistas" pintaram a frase "Parem de mentir", com um adendo: "Não renunciaremos à alegria nem à revolução".


Texto Anterior: Argentina: Juiz mantém presa a dona do "Clarín"
Próximo Texto: Ao menos 15 ficam feridos em protesto
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.