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ANISTIA
Decisão, que poderá beneficiar cerca de 350 mil presos russos neste ano, precisa da aprovação do presidente Putin
Rússia deve libertar 1/3 de sua população carcerária
CLAUDIA ASSEF
DE PARIS
Para diminuir o caos em seu sistema carcerário, o governo russo
resolveu radicalizar: até o fim de
2001, mais de um terço da população carcerária do país deve ser colocada em liberdade.
No total, cerca de 350 mil prisioneiros russos poderão deixar as
cadeias. O número é cerca de 60%
superior à população carcerária
do Brasil (algo em torno de 220
mil presos).
"A Rússia intensificou o regime
de anistia a detentos nos últimos
anos por conta da superpopulação carcerária e também por causa das péssimas condições de vida
em suas prisões", disse à Folha
Petya Nestorova, integrante do
CPT (Comitê de Prevenção contra a Tortura e o Tratamento Degradante ou Desumano), organismo do Conselho Europeu.
A audaciosa proposta de anistia,
feita pelo Ministério da Justiça, já
foi aprovada pela Câmara Baixa
do Parlamento russo em duas leituras e precisa agora da aprovação do presidente Vladimir Putin
para ser colocada em prática.
O governo russo começou a
acelerar políticas de anistia a presos em 1997. Desde então, mais de
222,5 mil presos deixaram as cadeias do país.
A exemplo do que aconteceu
nos anos passados, a anistia de
2001 beneficiará somente algumas categorias de presos: mães de
crianças pequenas, grávidas, tuberculosos, veteranos de guerra,
deficientes e idosos. Detentos
acusados de crimes graves não
poderão se beneficiar do indulto.
Com as recentes anistias, o número de presos na Rússia é inferior a 1 milhão pela primeira vez
em décadas -segundo o último
censo, de setembro de 2000, há
agora 970 mil detentos.
Por essa razão, a Rússia deixou
de ser, no ano passado, o país com
mais detentos por habitantes do
mundo: o índice de presos para
cada 100 mil habitantes caiu de
713 para 655. É a primeira vez em
50 anos que a Rússia perde para
os EUA, onde o índice é de 700
presos por 100 mil habitantes.
Se o indulto de 2001 for realizado tal como foi proposto pelo Ministério da Justiça, o número de
detentos na Rússia deverá chegar
a 400 para cada 100 mil habitantes
em 2002 -uma taxa ainda distante dos cerca de 60 presos por
100 mil habitantes ostentada por
países da Europa ocidental.
Integrantes do CPT fazem visitas regulares, sem aviso prévio, a
prisões européias para avaliar as
condições de vida em cada uma
delas.
Petya Nestorova, que fez cinco
visitas a prisões russas em menos
de dois anos, diz que as condições
precárias de limpeza, a superpopulação, o ócio e a propagação de
doenças entre os presos fazem do
sistema carcerário da Rússia "um
verdadeiro inferno".
Segundo um levantamento do
CPT, um dos mais graves problemas que acometem a população
carcerária é a tuberculose. De
acordo com o comitê, mais de 100
mil detentos sofrem da doença.
"Numa situação como a da Rússia, qualquer esforço para libertar
presos é bem-vindo", afirma Tamare Burend, uma das coordenadoras da Anistia Internacional da
França.
Porém, segundo ela, apenas o
fato de soltar presos sem que haja
um planejamento para reintegrá-los à sociedade adianta muito
pouco. Boa parte dos detentos
que ganham a liberdade acaba
voltando para a cadeia em poucos
meses.
Para o Comitê de Direitos Humanos, estrutura ligada ao Conselho Europeu, o indulto nas cadeias russas só vai funcionar se for
acompanhado de uma reforma
no sistema judiciário do país.
"Uma pessoa que rouba um saco de batatas para comer pode ficar na cadeia por até quatro anos
na Rússia", diz Marjorie Farquharson, integrante do conselho do
comitê.
Segundo ela, quase todos os casos que chegam à Justiça russa
acabam se convertendo em detenção.
Além do sistema de julgamento
ser falho, os policiais russos trabalham "para mostrar serviço", segundo ela, e acabam arrastando
para as prisões "bêbados, sem-teto e minorias em geral".
A falta de critério acabou levando, nos últimos dez anos, mais de
4 milhões de cidadãos russos para
a cadeia -quase 3% da população de 150 milhões de habitantes.
"Se a polícia tivesse um critério
diferente para medir seu sucesso,
isso teria um reflexo direto nas
prisões da Rússia", avalia a conselheira.
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