São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2001

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ANISTIA

Decisão, que poderá beneficiar cerca de 350 mil presos russos neste ano, precisa da aprovação do presidente Putin

Rússia deve libertar 1/3 de sua população carcerária

CLAUDIA ASSEF
DE PARIS

Para diminuir o caos em seu sistema carcerário, o governo russo resolveu radicalizar: até o fim de 2001, mais de um terço da população carcerária do país deve ser colocada em liberdade.
No total, cerca de 350 mil prisioneiros russos poderão deixar as cadeias. O número é cerca de 60% superior à população carcerária do Brasil (algo em torno de 220 mil presos).
"A Rússia intensificou o regime de anistia a detentos nos últimos anos por conta da superpopulação carcerária e também por causa das péssimas condições de vida em suas prisões", disse à Folha Petya Nestorova, integrante do CPT (Comitê de Prevenção contra a Tortura e o Tratamento Degradante ou Desumano), organismo do Conselho Europeu.
A audaciosa proposta de anistia, feita pelo Ministério da Justiça, já foi aprovada pela Câmara Baixa do Parlamento russo em duas leituras e precisa agora da aprovação do presidente Vladimir Putin para ser colocada em prática.
O governo russo começou a acelerar políticas de anistia a presos em 1997. Desde então, mais de 222,5 mil presos deixaram as cadeias do país.
A exemplo do que aconteceu nos anos passados, a anistia de 2001 beneficiará somente algumas categorias de presos: mães de crianças pequenas, grávidas, tuberculosos, veteranos de guerra, deficientes e idosos. Detentos acusados de crimes graves não poderão se beneficiar do indulto.
Com as recentes anistias, o número de presos na Rússia é inferior a 1 milhão pela primeira vez em décadas -segundo o último censo, de setembro de 2000, há agora 970 mil detentos.
Por essa razão, a Rússia deixou de ser, no ano passado, o país com mais detentos por habitantes do mundo: o índice de presos para cada 100 mil habitantes caiu de 713 para 655. É a primeira vez em 50 anos que a Rússia perde para os EUA, onde o índice é de 700 presos por 100 mil habitantes.
Se o indulto de 2001 for realizado tal como foi proposto pelo Ministério da Justiça, o número de detentos na Rússia deverá chegar a 400 para cada 100 mil habitantes em 2002 -uma taxa ainda distante dos cerca de 60 presos por 100 mil habitantes ostentada por países da Europa ocidental.
Integrantes do CPT fazem visitas regulares, sem aviso prévio, a prisões européias para avaliar as condições de vida em cada uma delas.
Petya Nestorova, que fez cinco visitas a prisões russas em menos de dois anos, diz que as condições precárias de limpeza, a superpopulação, o ócio e a propagação de doenças entre os presos fazem do sistema carcerário da Rússia "um verdadeiro inferno".
Segundo um levantamento do CPT, um dos mais graves problemas que acometem a população carcerária é a tuberculose. De acordo com o comitê, mais de 100 mil detentos sofrem da doença.
"Numa situação como a da Rússia, qualquer esforço para libertar presos é bem-vindo", afirma Tamare Burend, uma das coordenadoras da Anistia Internacional da França.
Porém, segundo ela, apenas o fato de soltar presos sem que haja um planejamento para reintegrá-los à sociedade adianta muito pouco. Boa parte dos detentos que ganham a liberdade acaba voltando para a cadeia em poucos meses.
Para o Comitê de Direitos Humanos, estrutura ligada ao Conselho Europeu, o indulto nas cadeias russas só vai funcionar se for acompanhado de uma reforma no sistema judiciário do país.
"Uma pessoa que rouba um saco de batatas para comer pode ficar na cadeia por até quatro anos na Rússia", diz Marjorie Farquharson, integrante do conselho do comitê.
Segundo ela, quase todos os casos que chegam à Justiça russa acabam se convertendo em detenção.
Além do sistema de julgamento ser falho, os policiais russos trabalham "para mostrar serviço", segundo ela, e acabam arrastando para as prisões "bêbados, sem-teto e minorias em geral".
A falta de critério acabou levando, nos últimos dez anos, mais de 4 milhões de cidadãos russos para a cadeia -quase 3% da população de 150 milhões de habitantes.
"Se a polícia tivesse um critério diferente para medir seu sucesso, isso teria um reflexo direto nas prisões da Rússia", avalia a conselheira.


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