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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

Presidente aposta no confronto

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Hugo Chávez aposta no confronto e na tensão política para se manter no poder, com o exercício da força, ou ser derrubado por um golpe e tornar-se um mártir. Essa é a impressão relatada à Folha por analistas políticos, que consideram que o presidente quer a todo custo evitar a realização de um referendo ou de eleições antecipadas, nas quais sairia derrotado, de acordo com as últimas pesquisas de opinião (contestadas pelo governo).
"Chávez parece preferir deixar o poder de qualquer outra forma, menos pela via das urnas", afirma o analista Luis Beltrán Petrosini, professor da Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas.
Isso explicaria uma prisão como a de Carlos Fernández, líder empresarial e figura importante da oposição, num momento em que a tensão política parecia haver baixado, após a assinatura, na última terça-feira, de um acordo na mesa de diálogo patrocinada pela OEA (Organização dos Estados Americanos) para evitar a violência e buscar um entendimento entre as partes.
A manutenção do conflito, com a ocorrência das manifestações oposicionistas nas ruas e ações de pressão como a greve geral suspensa no início do mês, criariam também ao governo uma figura a quem culpar pelos males do país.
"Isso é uma maneira de distrair a opinião pública para a situação de colapso econômico em que se encontra o país, com ameaça de hiperinflação e de desemprego recorde", diz Alfredo Keller, diretor da consultoria Alfredo Keller & Associados. "É vantajoso para o governo caracterizar as dificuldades como problemas políticos, não econômicos, para ter a quem culpar", afirma.

Independência em xeque
Numa sociedade dividida como a venezuelana, na qual ou se está com o governo ou se está com a oposição, sem meios-termos, é difícil imaginar que a decisão do juiz Maikel José Moreno, de ordenar a prisão de Fernández e Carlos Ortega, outro líder grevista, tenha sido tomada por um Poder Judiciário independente, sem a interferência do governo.
Ainda mais quando pesa sobre o juiz a acusação de ter sido, antes de sua nomeação para o Tribunal de Controle, advogado defensor dos acusados de disparar na multidão oposicionista que protestava contra Chávez na véspera do golpe que o tirou do poder por dois dias, em abril, numa confusão que provocou a morte de ao menos 17 pessoas.
"Do jeito que o país está hoje, é impossível encontrar pessoas independentes. Não existe independência da Procuradoria Geral, do Poder Legislativo nem dos demais órgãos do Estado, que obedecem ao governo diretamente", diz Alfredo Keller.
A satisfação expressa por Chávez ontem em relação à prisão de Fernández fala por si e responde às suas próprias sugestões expressas no último domingo, durante seu programa na TV estatal, "Alô Presidente", de que os "conspiradores golpistas", que organizaram a greve geral de 63 dias contra o governo, deveriam ser detidos.
"Chávez praticamente deu uma ordem à Justiça em público, ao vivo, durante o programa", afirma Petrosini. "Ele até ameaçou os juízes, chamando-os de covardes, remanescentes da Quarta República [Chávez diz que sua revolução bolivariana representa a Quinta República]", diz.


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