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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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Iraquianos em SP não opinam sobre Saddam

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Eram quase 15h30 no Brasil -ou 21h30 no Iraque- quando, depois de inúmeras tentativas, Ahmad Hasan conseguiu contato com a família. Telefonava de São Paulo para o pai, o irmão, a cunhada e quatro sobrinhos em Bagdá.
O que lhe contaram o deixou inconsolável. Todos os parentes se encontravam no quintal do sobrado onde moram. Escutavam com nitidez os intensos bombardeios norte-americanos e temiam entrar porque um míssil errático poderia derrubar a casa.
"Que horrível! Que horrível! Sinto-me muito mal", repetia o comerciante de 33 anos à Folha, tão logo desligou o telefone. Em razão das notícias ruins, resolveu fechar mais cedo a modesta loja de videogames que possui no shopping Mundo Oriental, próximo à rua 25 de Março (centro). "Vou parar tudo e acompanhar o conflito pela televisão."
Hoje, o Brasil abriga 160 iraquianos como Hasan. O número é da Polícia Federal e se refere apenas àqueles em situação regular. A própria PF, no entanto, não descarta a possibilidade de que existam "alguns clandestinos".
O primeiro, entre os legalizados, chegou em 1924. Boa parte dos imigrantes se fixou no Rio -a cidade reúne 69 deles. Em São Paulo, estão 51. Em Camburiú (SC), cinco. Em São Bernardo do Campo (SP), quatro. Em Foz do Iguaçu (PR), três. E, em Brasília, mais três. Os restantes se espalham por outros 22 municípios.
O grosso da comunidade trabalha no comércio -de eletrônicos, de roupas, de tapetes, de brinquedos. Há, porém, uns poucos economistas, arquitetos, físicos, médicos e engenheiros.
A maioria, muçulmana, procura seguir à risca os preceitos da religião. Reza cinco vezes durante o dia. Várias das mulheres só saem às ruas de véu. Para casar, dependem do consentimento dos pais.
De modo geral, os iraquianos reprovam a guerra com veemência. Evitam, em contrapartida, opinar sobre o governo de Saddam Hussein. "Desejamos a paz. O confronto não nos interessa. Agora, com relação à política interna, não abro a boca. O povo do Iraque é quem decide", explica a dona-de-casa Najah, 51, única irmã de Hasan que trocou o Oriente Médio pela América.
"Rejeito 100% a violência", reitera o comerciante Essam Al Sammaraie, 43, que vive em São Paulo desde 1992. "O mundo sabe que discordamos da solução bélica. Ocorre que não podemos baixar a cabeça diante das agressões. Saddam resistirá. Não abandonará a luta. Já avisou que nasceu no Iraque e que morrerá ali."
É o máximo que diz sobre o ditador. "Sempre nos perguntam se o apoiamos. Não respondo. Prefiro não entrar no mérito."
Ninguém confirmará às claras, mas a escassez de comentários deriva do medo. Como têm familiares no país de origem, os iraquianos daqui receiam que os de lá sofram represálias caso as críticas caiam em ouvidos errados.
"Falo do Corinthians, do Palmeiras. De Saddam, não", despistou outro comerciante anteontem à tarde, no shopping Mundo Oriental. O rapaz, de uns 25 anos, não quis se identificar. "Escreva somente isso: rezo para que a guerra seja breve."


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