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Eleição de Bento 16 espanta analistas
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
A escolha de Joseph Ratzinger,
78, como o novo papa surpreendeu os historiadores especializados em Vaticano e cristianismo.
Segundo eles, é raro que, após um
pontificado tão longo como os 26
anos de João Paulo 2º, o sucessor
eleito seja alguém tão ligado ao
núcleo de poder do papado anterior. Considerando isso e a idade
já avançada de Ratzinger, continuidade e brevidade são as palavras que mais bem definem o que
os católicos podem esperar.
"Estou estupefato. É incomum
que os cardeais escolham alguém
tão próximo ao centro do regime
depois de um longo pontificado",
afirmou Eamon Duffy, respeitado
e importante escritor e historiador do Vaticano e professor da
Universidade de Cambridge.
"É como apontar o vice-presidente para presidente. Portanto, é
uma continuidade", disse Clifford
Longley, jornalista e escritor especializado em religião.
Continuidade, nesse caso, é sinônimo de conservadorismo, dizem os especialistas, que julgam
impossível uma guinada mais
progressista nos passos da igreja.
Segundo Longley, Ratzinger soa
como "a opção mais fácil" e indica, claramente, que, confrontados
com os desafios de mudança que
se colocam frente à Igreja Católica, os cardeais preferiram ir na direção contrária, fincando os pés
mais firmemente onde já estavam. A desvantagem, diz ele, é
que isso poderá tornar o catolicismo menos atraente para seus
fiéis. As expectativas de mudança
de direção em questões como o
tratamento dado aos católicos divorciados e ao aborto, por exemplo, tendem a ser frustradas.
O clamor europeu por maior secularização também tende a sofrer resistência da igreja. Segundo
Longley, Ratzinger se manifestou
recentemente contra o relativismo, a idéia de que uma crença
possa ser tão boa quanto outra:
"Ratzinger soltou um aviso pouco
antes do conclave, dizendo que
esse é o maior problema fundamental da Europa. Claramente,
esse é o tipo de tom que a Igreja
Católica vai adotar".
O lado bom de Ratzinger é que
os cardeais -mesmo os mais liberais- já o conhecem muito
bem devido ao trabalho dele na
Cúria Romana. Saberão como lidar com o novo papa, que escolheu ser chamado Bento 16.
Embora não sejam esperados
avanços em termos de flexibilidade das principais doutrinas que
regem o catolicismo hoje, existe a
esperança, segundo Longley, de
que Bento 16 abra espaço, pelo
menos, para uma maior dispersão do poder do centro (Cúria)
para a periferia (bispados locais).
Os anos de João Paulo 2º foram
marcados por uma forte tendência de centralização no processo
de tomada de decisões em Roma.
Segundo Longley, há uma percepção de que Ratzinger teria
concordado com os demais cardeais que esse é um ponto que
merece mudança, ainda que suave e lenta. Duffy, por outro lado,
não se arrisca a fazer uma avaliação nesse sentido. "Não tenho
uma resposta para isso. Mas vamos esperar que ele faça isso."
Tímido e inteligente
As opiniões sobre as características pessoais de Ratzinger são
consensuais entre os especialistas.
Timidez e grande inteligência são,
geralmente, os primeiros adjetivos utilizados para qualificá-lo.
"É um dos teólogos mais inteligentes da igreja, é um homem
quieto e atencioso. Tem uma personalidade muito diferente do seu
antecessor. Não é uma estrela midiática", diz Duffy.
Para Longley, Bento 16 pode ser
considerado o equivalente a João
Paulo 2º em termos de qualidade,
conteúdo e orientação teológica.
Segundo o jornalista, praticamente, não existem relatos de discordância entre os dois.
Existe só um rumor, diz ele, de
que o novo papa conseguiu convencer o seu antecessor, em uma
ocasião, a não transformar a
questão da proibição de métodos
contraceptivos em dogma. "Ratzinger foi o cérebro do Vaticano.
Era o único teólogo ali que era, de
alguma forma, equivalente ao papa, que tinha muita confiança nele. Ratzinger ajudou a moldar as
políticas do último papado."
Se era similar a João Paulo 2º em
estatura e orientação teológica,
Ratzinger pode ser considerado
seu oposto no que diz respeito a
carisma e capacidade de comunicação. Isso deve garantir continuidade doutrinária, mas, nas palavras de Longley, "reduzir a escala do papa como uma figura mundial". Resta ver, dizem os especialistas, qual será o impacto de tudo
isso sobre a popularidade do catolicismo no mundo.
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