São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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Eleição de Bento 16 espanta analistas

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

A escolha de Joseph Ratzinger, 78, como o novo papa surpreendeu os historiadores especializados em Vaticano e cristianismo. Segundo eles, é raro que, após um pontificado tão longo como os 26 anos de João Paulo 2º, o sucessor eleito seja alguém tão ligado ao núcleo de poder do papado anterior. Considerando isso e a idade já avançada de Ratzinger, continuidade e brevidade são as palavras que mais bem definem o que os católicos podem esperar.
"Estou estupefato. É incomum que os cardeais escolham alguém tão próximo ao centro do regime depois de um longo pontificado", afirmou Eamon Duffy, respeitado e importante escritor e historiador do Vaticano e professor da Universidade de Cambridge.
"É como apontar o vice-presidente para presidente. Portanto, é uma continuidade", disse Clifford Longley, jornalista e escritor especializado em religião.
Continuidade, nesse caso, é sinônimo de conservadorismo, dizem os especialistas, que julgam impossível uma guinada mais progressista nos passos da igreja.
Segundo Longley, Ratzinger soa como "a opção mais fácil" e indica, claramente, que, confrontados com os desafios de mudança que se colocam frente à Igreja Católica, os cardeais preferiram ir na direção contrária, fincando os pés mais firmemente onde já estavam. A desvantagem, diz ele, é que isso poderá tornar o catolicismo menos atraente para seus fiéis. As expectativas de mudança de direção em questões como o tratamento dado aos católicos divorciados e ao aborto, por exemplo, tendem a ser frustradas.
O clamor europeu por maior secularização também tende a sofrer resistência da igreja. Segundo Longley, Ratzinger se manifestou recentemente contra o relativismo, a idéia de que uma crença possa ser tão boa quanto outra: "Ratzinger soltou um aviso pouco antes do conclave, dizendo que esse é o maior problema fundamental da Europa. Claramente, esse é o tipo de tom que a Igreja Católica vai adotar".
O lado bom de Ratzinger é que os cardeais -mesmo os mais liberais- já o conhecem muito bem devido ao trabalho dele na Cúria Romana. Saberão como lidar com o novo papa, que escolheu ser chamado Bento 16.
Embora não sejam esperados avanços em termos de flexibilidade das principais doutrinas que regem o catolicismo hoje, existe a esperança, segundo Longley, de que Bento 16 abra espaço, pelo menos, para uma maior dispersão do poder do centro (Cúria) para a periferia (bispados locais). Os anos de João Paulo 2º foram marcados por uma forte tendência de centralização no processo de tomada de decisões em Roma.
Segundo Longley, há uma percepção de que Ratzinger teria concordado com os demais cardeais que esse é um ponto que merece mudança, ainda que suave e lenta. Duffy, por outro lado, não se arrisca a fazer uma avaliação nesse sentido. "Não tenho uma resposta para isso. Mas vamos esperar que ele faça isso."

Tímido e inteligente
As opiniões sobre as características pessoais de Ratzinger são consensuais entre os especialistas. Timidez e grande inteligência são, geralmente, os primeiros adjetivos utilizados para qualificá-lo.
"É um dos teólogos mais inteligentes da igreja, é um homem quieto e atencioso. Tem uma personalidade muito diferente do seu antecessor. Não é uma estrela midiática", diz Duffy.
Para Longley, Bento 16 pode ser considerado o equivalente a João Paulo 2º em termos de qualidade, conteúdo e orientação teológica. Segundo o jornalista, praticamente, não existem relatos de discordância entre os dois.
Existe só um rumor, diz ele, de que o novo papa conseguiu convencer o seu antecessor, em uma ocasião, a não transformar a questão da proibição de métodos contraceptivos em dogma. "Ratzinger foi o cérebro do Vaticano. Era o único teólogo ali que era, de alguma forma, equivalente ao papa, que tinha muita confiança nele. Ratzinger ajudou a moldar as políticas do último papado."
Se era similar a João Paulo 2º em estatura e orientação teológica, Ratzinger pode ser considerado seu oposto no que diz respeito a carisma e capacidade de comunicação. Isso deve garantir continuidade doutrinária, mas, nas palavras de Longley, "reduzir a escala do papa como uma figura mundial". Resta ver, dizem os especialistas, qual será o impacto de tudo isso sobre a popularidade do catolicismo no mundo.


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