São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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Tensão racial persiste em relações sul-africanas

NA ÁFRICA DO SUL

Num cenário de ódio racial acumulado transita a Comissão Verdade e Reconciliação da África do Sul (CVR), comitê instituído em 1995 com o objetivo de investigar crimes cometidos durante o regime racista do apartheid e recomendar indenizações às vítimas.
Até agora, 21 mil pessoas foram identificadas como vítimas diretas e receberam reparações parciais. A indenização final, uma compensação financeira, aguarda julgamento na Justiça sul-africana. Irritados com a demora, alguns dos possíveis beneficiados acusaram a CVR de bloquear o acesso a informações oficiais, importantes para acelerar os processos, e entraram com ações na Justiça em junho último contra ninguém mais ninguém menos que Desmond Tutu, arcebispo negro sul-africano, um dos ícones da luta contra o apartheid e ganhador do Nobel da Paz de 1984.
Tutu foi o primeiro presidente da CVR. Líderes do Congresso Nacional Africano (CNA, partido no poder) também são alvos das ações, entre eles o próprio presidente da República, Thabo Mbeki. As vítimas alegam ter esgotado todos os recursos antes de recorrerem à Justiça.
Em declarações à imprensa sul-africana, Tutu tem dito que considera "bizarra" a ação movida contra ele e que a indenização das vítimas é tarefa do governo e não da comissão, a quem cabe apenas fazer recomendações para o presidente encaminhar ou não ao Parlamento.

Bairros separados
O melhor exemplo de que a tensão racial ainda predomina na África do Sul é Johannesburgo. Ali, brancos, negros, "coloured" (mestiços) e indianos ainda vivem em bairros separados. Os brancos isolam-se nos bairros ricos da zona norte da cidade, em mansões imponentes, vigiadas por cães ferozes, cercadas por rolos de arame farpado, cerca elétrica e segurança armada.
Pouca gente caminha pelas ruas desses bairros de Jo'burg, como se apelidou a cidade, exceto um ou outro empregado doméstico negro. A cidade não tem metrô, dispõe de poucos ônibus e muita lotação clandestina que se dirige aos subúrbios negros, chamados "townships".
Não há padarias, botecos ou bancas de jornal. A vida acontece nos automóveis e nos "malls" -shopping centers horizontais que abrigam de supermercados e lavanderias a cinemas e restaurantes. Apenas na região onde antes era o centro financeiro, abandonada pelos brancos, há movimento de comércio e moradores negros que transformaram os prédios coloniais em cortiços.
Hostilidade e medo são os substantivos para a atmosfera da maior metrópole sul-africana, uma das mais violentas do mundo. As taxas de criminalidade na África do Sul são mais elevadas do que as de Colômbia e Brasil. É o país com maior número de estupros registrados: 1 milhão de mulheres a cada ano, vítimas do que se chama lá "jackrolling", gangues de homens que saem às ruas à cata de muheres para estuprar. Os institutos de defesa da mulher em todo o país têm feito campanhas sistemáticas alertando para os índices alarmantes desse tipo de crime.(MF)


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