São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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Dinâmica da votação é terreno fértil para ocorrência de fraude

DO ENVIADO AO AFEGANISTÃO

Os relatos de fraude variaram em todo o Afeganistão ontem. O temor mais comum, expressado por funcionários envolvidos com o processo eleitoral e candidatos de oposição, era o "enchimento de urnas" com votos de eleitores que não apareceram para votar.
Isso teria acontecido principalmente nas regiões mais remotas e perigosas do sul e leste do país. "Sim, temos relatos, mas não sabemos dizer o quanto isso pode influenciar o resultado", afirmou o representante da ONU no país, Kai Eide.
A Folha fez sua pequena e não científica amostra de coisas que podiam dar errado em visita a oito seções eleitorais em quatro cidades: Cabul e três pontos ao norte da capital.
A primeira constatação: a tinta "indelével" usada para identificar quem já votou não tem nada de indelével. Eide, que a testara há algumas semanas, afirmava que ela demoraria quatro dias para sair.
Se lavada imediatamente após aplicada, com detergente, ela sai. A tinta escurece mais após meia hora. A Folha pediu um teste para seu assistente no país. Ele votou às 10h e, às 14h30, tirou a mancha com um produto químico iraniano similar a limpadores multiação.
Na eleição de 2004, isso foi tema de grande debate. Como o eleitor afegão pode votar em qualquer seção do país para presidente, a tinta (em tese) evita que o sujeito migre de uma seção a outra votando.
"A eleição tem de parar agora", disse por telefone à Folha às 9h30 o candidato a presidente Ramazan Bashardost. Aparentemente ele ligou para todos os jornalistas que o procuraram nos últimos dias por seu terceiro lugar nas pesquisas para dizer o mesmo: "Tirei a tinta com água e sabão".
Um segundo mecanismo antifraude é a carteira eleitoral. Só que qualquer eleitor pode ter uma carteira por seção eleitoral, às vezes mais do que uma -basta alegar que perdeu a sua.
O jeito é fazer um furo com um pequeno picotador na carteira para atestar seu uso.
"Não está funcionando, o plástico da carteira é muito duro", diz o mesário Muhammad. Apenas em 1 das 8 seções visitadas o picotador funcionava.
Isso ilustra que o sistema tem falhas simples. Segundo a Comissão Independente Eleitoral, um grande problema pode ter ocorrido com o registro de eleitores-fantasmas.
E havia a questão fundamental do pleito: as ameaças do Taleban. Em Cabul, havia percepções diferentes. Todas as seções de votação da região central passaram a manhã às moscas -literalmente, para ficar num detalhe do cotidiano afegão. Havia muitos guardas e soldados em todas as esquinas do centro, fazendo revistas.
"Sabemos que o Taleban não está de brincadeira. Minha prima ficou ferida no atentado de anteontem", disse o motorista de táxi Mirwais, parado por dez minutos em um bloqueio ao lado da nova mesquita da capital. Contudo, alguns pontos registraram filas à tarde no centro.
Já nas regiões periféricas havia mais movimento. Indo para o norte do país, onde a situação de segurança é melhor, era notável o maior comparecimento. Eleitores de Cabul votaram lá, e houve locais em que as cédulas se esgotaram 90 minutos depois de abertas as seções.
Segundo servidores da ONU, houve aparente baixo comparecimento de mulheres. Numa escola no nordeste de Cabul, isso foi aferível na meia hora que a Folha passou lá. Duas mulheres, uma em burca, apareceram para votar nas quatro salas separadas para elas. No lado masculino, havia fila. "Não tenho medo do Taleban", sentenciou Marian, a mulher de rosto à mostra, que não quis revelar o voto. "Não é secreto na democracia?", disse, irônica. (IG)


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