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Dinâmica da votação é terreno fértil para ocorrência de fraude
DO ENVIADO AO AFEGANISTÃO
Os relatos de fraude variaram em todo o Afeganistão ontem. O temor mais comum, expressado por funcionários envolvidos com o processo eleitoral e candidatos de oposição,
era o "enchimento de urnas"
com votos de eleitores que não
apareceram para votar.
Isso teria acontecido principalmente nas regiões mais remotas e perigosas do sul e leste
do país. "Sim, temos relatos,
mas não sabemos dizer o quanto isso pode influenciar o resultado", afirmou o representante
da ONU no país, Kai Eide.
A Folha fez sua pequena e
não científica amostra de coisas que podiam dar errado em
visita a oito seções eleitorais
em quatro cidades: Cabul e três
pontos ao norte da capital.
A primeira constatação: a
tinta "indelével" usada para
identificar quem já votou não
tem nada de indelével. Eide,
que a testara há algumas semanas, afirmava que ela demoraria quatro dias para sair.
Se lavada imediatamente
após aplicada, com detergente,
ela sai. A tinta escurece mais
após meia hora. A Folha pediu
um teste para seu assistente no
país. Ele votou às 10h e, às
14h30, tirou a mancha com um
produto químico iraniano similar a limpadores multiação.
Na eleição de 2004, isso foi
tema de grande debate. Como o
eleitor afegão pode votar em
qualquer seção do país para
presidente, a tinta (em tese)
evita que o sujeito migre de
uma seção a outra votando.
"A eleição tem de parar agora", disse por telefone à Folha
às 9h30 o candidato a presidente Ramazan Bashardost.
Aparentemente ele ligou para
todos os jornalistas que o procuraram nos últimos dias por
seu terceiro lugar nas pesquisas para dizer o mesmo: "Tirei
a tinta com água e sabão".
Um segundo mecanismo antifraude é a carteira eleitoral.
Só que qualquer eleitor pode
ter uma carteira por seção eleitoral, às vezes mais do que uma
-basta alegar que perdeu a sua.
O jeito é fazer um furo com
um pequeno picotador na carteira para atestar seu uso.
"Não está funcionando, o
plástico da carteira é muito duro", diz o mesário Muhammad.
Apenas em 1 das 8 seções visitadas o picotador funcionava.
Isso ilustra que o sistema
tem falhas simples. Segundo a
Comissão Independente Eleitoral, um grande problema pode ter ocorrido com o registro
de eleitores-fantasmas.
E havia a questão fundamental do pleito: as ameaças do Taleban. Em Cabul, havia percepções diferentes. Todas as seções de votação da região central passaram a manhã às moscas -literalmente, para ficar
num detalhe do cotidiano afegão. Havia muitos guardas e
soldados em todas as esquinas
do centro, fazendo revistas.
"Sabemos que o Taleban não
está de brincadeira. Minha prima ficou ferida no atentado de
anteontem", disse o motorista
de táxi Mirwais, parado por dez
minutos em um bloqueio ao lado da nova mesquita da capital.
Contudo, alguns pontos registraram filas à tarde no centro.
Já nas regiões periféricas havia mais movimento. Indo para
o norte do país, onde a situação
de segurança é melhor, era notável o maior comparecimento.
Eleitores de Cabul votaram lá,
e houve locais em que as cédulas se esgotaram 90 minutos
depois de abertas as seções.
Segundo servidores da ONU,
houve aparente baixo comparecimento de mulheres. Numa
escola no nordeste de Cabul, isso foi aferível na meia hora que
a Folha passou lá. Duas mulheres, uma em burca, apareceram
para votar nas quatro salas separadas para elas. No lado masculino, havia fila. "Não tenho
medo do Taleban", sentenciou
Marian, a mulher de rosto à
mostra, que não quis revelar o
voto. "Não é secreto na democracia?", disse, irônica.
(IG)
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