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ANÁLISE
Maior problema do pleito ainda está pela frente
DO ENVIADO A CABUL
Se os poucos tiros e o zunido
do robô Predator que são ouvidos enquanto este texto é escrito na noite pós-eleitoral em Cabul lembram que a ameaça do
Taleban segue cobrindo de dúvidas o Afeganistão, é certo que
o problema maior deste pleito
ainda terá de ser enfrentado.
Existe um risco não desprezível de o país bater às portas de
um conflito político grave.
Se o presidente Hamid Karzai ganhar no primeiro turno
de forma que a oposição considere roubada, ou seja, com elevadas votações nas turbulentas
Províncias do sul e do leste, certamente haverá uma chamada
a protestos.
Só que mesmo tais críticas
não seriam unânimes. O principal nome da oposição é o tadjique Abdullah Abdullah, mas ele
certamente não atrai muitas
paixões no cinturão pashtun
que corre da fronteira paquistanesa até o sul afegão. Seu
mentor, o já morto Ahmad
Shah Massoud, é visto como
um assassino de pashtuns.
Karzai, mesmo pashtun, conseguiu formar alianças com
tantos antagonistas que é quase
inócuo prever quais grupos devem se aliar e contra quem. Os
pashtuns mais ligados ao Taleban, por exemplo, nunca perdoarão o general uzbeque Abdul Rashid Dostum pelo massacre dos seus em 2001.
E se Karzai tiver uma vitória
em primeiro turno que pareça
legítima, muito dela se deverá
ao apoio comprado de Dostum
e seus 10% de uzbeques no país.
O Afeganistão ainda tem muito
de estrutura tribal: Dostum comanda seu eleitorado.
Um cenário trágico misturando tudo: Abdullah comanda
protestos à moda iraniana contra o pleito que considera ilegítimo, o Exército afegão intervém, e há violência. Nas Províncias do norte, onde coabitam, os uzbeques leais a Dostum enfrentam tadjiques.
O Afeganistão só não cai numa guerra civil como a que sucedeu o fim da ocupação soviética em 1989 porque o Ocidente
faz a vez de policial aqui. É por
isso que o movimento dos governos americano e europeus
para sair do país dão frio na espinha de qualquer observador.
E nem se fala aqui do Taleban, que seguirá sua jornada de
terror. Ainda que ontem ele pareça ter sido contido, é de longe
a força opositora mais forte do
país. Por isso há tanta conversa
sobre "reconciliação nacional"
entre os candidatos. Sem alguma acomodação, parece impossível deter os insurgentes.
Mas nem tudo é má notícia.
Há a possibilidade real de todos, Karzai, Abdullah e alguma
fração do Taleban, sentarem à
mesa para interromper a espiral. O triste número de 26 mortos é alto, mas inferior ao que
previam os pessimistas. As eleições ocorreram, com todas as
dificuldades, e nenhum candidato a presidente morreu.
Tudo isso não é pouco para o
padrão local, mas é insuficiente
para garantir que algo parecido
com democracia e estabilidade
deite raízes por aqui.
Para tanto, é preciso que os
EUA levem a sério sua promessa de priorizar o eixo Afeganistão-Paquistão. Com Islamabad
a colher frutos de sua ofensiva
contra o Taleban local, cabe a
Washington realmente amarrar uma estratégia ampla para
toda a região -isso se as bombas em Bagdá não mudarem tudo, mais uma vez.
(IG)
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