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ARTIGO
Bolívia, o novo acordo
Desfecho negociado da ofensiva das últimas semanas mostra limites da oposição boliviana após confirmação de Evo Morales no cargo por dois terços dos eleitores
SALVADOR SCHAVELZON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Enquanto os bloqueios, o
massacre de camponeses e a
reunião de presidentes sul-americanos vão ficando para
trás, resta à Bolívia uma vez
mais a difícil tarefa de conseguir um acordo entre o governo
e a oposição.
Durante o ano de 2007, na
Assembléia Constituinte, e em
janeiro, maio/junho e agosto
deste ano, todas as tentativas
de diálogo fracassaram.
As condições para que o diálogo tenha sucesso poderiam
surgir de um retorno na política boliviana da fórmula mágica
da "maioria de dois terços". A
fórmula traduz os 67,4% de votos conquistados por Evo Morales no referendo sobre sua
Presidência, em 10 de agosto.
O significado político é que,
ainda que esse resultado não
seja diretamente transferível, é
provável que a Constituição
que o governo deseja ratificar
venha a ser aprovada. É esse
cálculo que pode modificar a
maneira pela qual o governo e a
oposição vêm se relacionando.
Ciclo de dois anos
Se surgir acordo desta vez,
estaria se encerrando um ciclo
iniciado dois anos atrás, quando, depois de longa disputa, a
oposição impôs os "dois terços"
como definição da maioria necessária para decidir votações
na Assembléia Constituinte. A
decisão impediu que o partido
do governo, o MAS, impusesse
uma Constituição e o obrigou a
se flexibilizar ao máximo para
buscar os dois terços que permitiriam aprovar o texto.
Mas a oposição optou por
uma posição dura e seu líder
político ordenou que não houvesse acordo em nenhuma das
comissões da Constituinte.
No processo, o MAS depurou
sua proposta de um Estado
Unitário Plurinacional Comunitário, extirpando todos os
elementos que representassem
ruptura com a atual ordem republicana ou que fossem inaceitáveis para os demais partidos. Ainda assim, a oposição
apostou em que a Constituinte
se encerrasse sem resultado, ignorou as tentativas de acordo e
apoiou os apelos de Sucre pelo
retorno dos Poderes Executivo
e Legislativo àquela cidade, o
que terminou por inviabilizar
as sessões da Constituinte.
Diante da atitude fechada da
oposição, o MAS aprovou a
Constituição com dois terços
dos votos dos presentes, mas
não do total dos constituintes,
como se havia decidido. A oposição não reconheceu o texto e
deu início a uma busca unilateral por autonomia. O caminho
adotado incluiu a elaboração
por representantes não eleitos
de estatutos de autonomia que
foram aprovados em referendos considerados ilegais pelo
tribunal eleitoral.
Nesse confronto direto, surgiram ameaças de suspender o
envio de alimentos à região do
altiplano, e ocorreram os bloqueios com interrupção do
abastecimento de gás, destruição de sedes de organizações
indígenas e ocupação de instituições nacionais; em Santa
Cruz, por meio das leis 6 e 7,
houve tentativas de começar a
transferir essas instituições ao
controle do departamento.
Negociação
Mas os dois terços de votos
que Morales obteve no referendo e a violência posterior representaram o limite para a tentativa da região da meia-lua de
manter uma agenda própria.
Para a oposição, portanto, um
acordo parece ser agora o modo
de conseguir um projeto mais
equilibrado de autonomia e a
devolução da porcentagem do
Imposto sobre os Hidrocarbonetos, cuja demanda gerou greves de fome e os protestos mais
recentes.
De sua parte, o governo conseguiria superar o obstáculo da
oposição no Senado para convocar o referendo que ratifique
a Constituição e realizar nomeações pendentes no Judiciário e no tribunal eleitoral. O governo também deseja promover uma eleição de autoridades
locais que o beneficiaria.
Aqueles que consideram a
oferta de diálogo do governo
como excessivamente generosa são os camponeses e indígenas que apóiam Morales. Na
Constituinte, eles aprenderam
que cada tentativa de negociação com a oposição prejudicava
suas reivindicações.
Considerando os dois terços
de apoio, esses setores pedem
que a ratificação do texto seja
levada adiante sem concessões.
Consideram que, sem acordo,
viria uma fase de transformações mais profundas contra a
elite agrícola e industrial. Sem
acordo, voltariam também os
bloqueios promovidos pela região leste, as expressões de intenções separatistas e as declarações de Hugo Chávez.
SALVADOR SCHAVELZON é antropólogo e escreve sua tese de doutorado no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre política boliviana contemporânea
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