São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Oposição fracassa em lucrar com debilidade dos Kirchner

Fragmentação e falta de táticas impedem que opositores herdem votos perdidos pelo governo

Crise com agropecuaristas deteriora imagem de casal presidencial, e o único a capitalizar é Julio Cobos, o vice rebelde de Cristina

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

No fim do ano passado, quando o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) passou a faixa presidencial para sua mulher, Cristina, analistas políticos apontavam que o casal havia criado a estratégia perfeita para se alternar no poder durante anos. Tinha maioria confortável no Congresso e o feito de ter recuperado o país de uma de suas piores crises.
Neste ano, no entanto, o cenário mudou, e o kirchnerismo enfrentou sua primeira crise. O conflito com o setor agropecuário, que durou mais de quatro meses, gerou locaute, desabastecimento e panelaços.
A crise chegou ao auge e ao fim quando o projeto de aumento de impostos às exportações de grãos, que deu início à briga, caiu no Congresso com o voto de Minerva do vice-presidente, Julio Cobos.
O cadáver mal esfriara quando voltou à tona o chamado caso da mala, em que se especula que Caracas tenha financiado a campanha presidencial de Cristina Kirchner.
O mau momento para o governo parecia mais que favorável para a oposição botar as asas para fora. No entanto, enquanto a imagem do governo ante o público piora, a de líderes opositores está estagnada.

Vácuo
"O conflito do campo provocou uma queda na imagem de Néstor e Cristina, mas não houve uma transferência desses "votos" para a oposição", explica o analista Fabián Perechodnik, da consultoria Poliarquía. "Há um vazio na opinião pública. A oposição não consegue se colocar como alternativa."
Uma das deficiências da oposição, segundo analistas, é a sua fragmentação e a incapacidade de traçar alianças estratégicas, como faz o kirchnerismo. "É quase impossível que a oposição consiga se unir e garantir maioria nas eleições legislativas do ano que vem", afirma o analista Ricardo Rouvier, que presta consultoria a Cristina.
"Cada partido quer ter seu próprio candidato, e, mesmo com menos votos que em 2005, o governo deve ganhar de uma oposição que está dividida."
Se uma pessoa conseguiu lucrar com a deterioração na imagem do governo, foi justamente alguém que aderiu ao kirchnerismo. Julio Cobos foi expulso de seu partido, a União Cívica Radical (UCR), de oposição ao peronismo, quando decidiu integrar a chapa de Cristina. Mas foi ao votar contra ela que ganhou popularidade.
Mesmo tachado de traidor por muitos, Cobos é hoje o político mais popular da Argentina. Dois meses após o fim da crise, continua com cerca de 60% de imagem positiva.
"É marcante que Cobos seja o mais popular, já que é, ao mesmo tempo, uma referência da União Cívica Radical, de oposição, e do governo. Isso mostra que há figuras, mas não forças com impacto na política atual", afirma Perechodnik.
Além de Cobos, outros dois políticos aparecem hoje como possíveis nomes para concorrer contra um dos Kirchner nas eleições presidenciais de 2011: a líder da frente de oposição Coalizão Cívica, Elisa Carrió, segundo lugar nas últimas eleições, e o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, do Pro.
Um sinal da crise da oposição é que nenhum dos possíveis candidatos é da UCR, que foi a segunda força política argentina, oposta ao peronismo, no antigo sistema bipartidário.
"Desde a crise que derrubou [o ex-presidente Fernando] De la Rúa (1999-2001), o radicalismo se debilitou e deixou de ser uma opção", explica o analista político Hugo Haime, que vê na ausência da oposição relação com uma grande crise dos partidos políticos. Hoje, a Argentina tem cerca de 700 partidos, quase todos sem projeção e centenas deles criados após a crise de 2001.
Diante de tanta dispersão, Haime diz que a principal força de oposição hoje está dentro do próprio peronismo. Após a crise com o campo, o Partido Justicialista se fraturou e fez ressurgir líderes como o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003). Ele, que ajudou Kirchner a chegar ao poder, mas logo foi mandado para escanteio, começou a articular uma alternativa ao kirchnerismo para as eleições presidenciais de 2011.
No melhor estilo peronista de construir alianças ecléticas, como faz o kirchnerismo, Duhalde já ensaiou aproximar-se de Cobos e Macri. E é o principal incentivador das candidaturas dos populares e midiáticos líderes ruralistas que encabeçaram o conflito contra o governo nas próximas eleições.


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