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São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2003

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ANÁLISE

O preço da "guerra ao terror"

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"

É o preço que pagamos por participar da "guerra ao terror" lançada por George W. Bush. Não podiam atingir o Reino Unido enquanto Bush fazia sua triunfalista visita de Estado a Londres, então foram direto à jugular na Turquia. E, é claro, ninguém imaginava que eles fossem atacar duas vezes no mesmo lugar. Afinal, a Turquia já tinha sofrido sua dose de ataques, certo? "Eles" deve significar "Al Qaeda". E, é claro, o simples fato de se chamar atenção para a realidade de que nós, britânicos, estamos agora pagando o preço pela tentativa infantil de Bush de remodelar o Oriente Médio, a favor de Israel, vai atrair os comentários venenosos de costume. Falar a verdade brutal sobre o custo humano da aliança de Tony Blair com o governo Bush é "fazer o trabalho dos terroristas".
Mas EUA e Reino Unido sabem muito bem o que a atrocidade de ontem significa. A Austrália pagou em Bali o preço da aliança com Bush. Os italianos pagaram em Nassiriah. Agora é nossa vez. A suposta "Al Qaeda" foi bastante específica.
E esses assassinatos em massa não têm um objetivo único. A Turquia é aliada de Israel. A Turquia é odiada no Iraque e em boa parte do mundo árabe, em parte por seu passado otomano. A Turquia é um país secular. Se a Arábia Saudita é atacada porque seu regime islâmico é liderado por uma monarquia corrupta, a Turquia é atacada porque não é suficientemente islâmica.
Não deveríamos, tampouco, nos deixar enganar em relação ao que eu chamo de "o cérebro". Graças, imagino, à retórica de Bush, temos o hábito de pensar que os responsáveis pelos atentados não compreendem o mundo de fora. Se são "contra a democracia", então eles não nos compreendem, não é verdade? Mas eles compreendem, sim.
Eles sabiam exatamente o que estavam fazendo quando atacaram os australianos em Bali -sabiam que a invasão do Iraque não era bem vista na Austrália. Sabiam, também, que a invasão era malvista na Itália. Sabiam, ainda, das manifestações que aguardavam Bush em Londres. Então, por que não desviar a atenção do grande manda-chuva, atacando o Reino Unido na Turquia?
A mesma coisa se repete no Iraque. Por menor que seja o envolvimento da Al Qaeda, os insurretos iraquianos têm plena consciência da queda da popularidade de Bush nos EUA. Sabem até que ponto ele está desesperado para sair do atoleiro do Iraque antes das eleições de 2004. Por isso, estão intensificando os ataques contra as forças americanas e os iraquianos que os apóiam, provocando os EUA a empreender retaliações cada vez mais ferozes.
Temos uma espécie de incompreensão fatal em relação àqueles contra os quais entramos em guerra: dizemos que eles vivem em cavernas, que estão desligados da realidade, que atacam cegamente. Exemplo de incompreensão: aqueles enfadonhos discursos de Osama bin Laden. Toda vez que suas fitas de áudio são veiculadas, nós, jornalistas, sempre repetimos a mesma ladainha. Será que é ele mesmo falando? Será que está vivo? Essa se torna nossa única narrativa. Mas a reação árabe é muito diferente. Eles sabem que é Bin Laden, sim, e ouvem o que ele tem a dizer. É o que nós, também, deveríamos fazer.


Tradução de Clara Allain


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